Entre epistemologias e transformações sociais: a construção da teoria crítica da deficiência

Entre epistemologías y transformaciones Sociales: La construcción de la teoría crítica de la discapacidad

Between epistemologies and social transformations: The construction of critical disability theory

André Luiz Pereira Spinieli
Universidade Estadual Paulista, Brasil
andre.spinieli@unesp.br
https://orcid.org/0000-0001-7975-2384

Fecha de Recepción: 10 de Julio 2024
Fecha de Aceptación: 3 de Septiembre de 2024
Fecha de Publicación: 7 de Noviembre de 2024

Financiamiento:
La investigación fue autofinanciada por el autor

Conflictos de interés:
El autor declara no presentar conflicto de interés.

Correspondencia:
Nombres y Apellidos: André Luiz Pereira Spinieli
Correo electrónico: andre.spinieli@unesp.br
Dirección postal: Brasil

RESUMO

A recente emergência da "teoria crítica da deficiência" corresponde a uma decorrência direta das contribuições frankfurtianas no último século. Ela se comporta como um modelo interpretativo adequado às experiências vivenciadas pelas pessoas com deficiência, tendo como referenciais elementos políticos, culturais e sociais. Esse paradigma teórico visa identificar as contradições existentes na leitura tradicional do conceito de deficiência, rompendo com os critérios de normalidade e os processos de patologização das deficiências. Neste trabalho, apresento os pressupostos teóricos que fundam a ideia de "teoria crítica da deficiência" na literatura mais recente das Ciências Sociais e do Direito, buscando identificar quais são suas potencialidades para ultrapassar as insuficiências da(s) teoria(s) tradicional(is) da deficiência. Recorro tanto às teóricas de uma vertente feminista contemporânea que procuram mapear as interlocuções entre deficiência e exclusão social quanto aos teóricos que desenvolveram a ideia de "paradigma social de deficiência". Uma das principais ênfases da teoria crítica da deficiência consiste em fornecer interpretações integrais a respeito do fenômeno da deficiência, favorecendo a construção de novos modelos construtivos de conceitos e direitos.

Palavras-chave: Teoria crítica da deficiência, Pessoa com deficiência, Direitos humanos, Teoria social.

Resumen
La reciente aparición de la "teoría crítica de la discapacidad" corresponde a un resultado directo de las contribuciones de la Escuela de Frankfurt en el siglo pasado. Surge como un modelo interpretativo adecuado para las experiencias de las personas con discapacidad, utilizando elementos políticos, culturales y sociales como referencias. Este paradigma teórico tiene como objetivo identificar las contradicciones existentes en la lectura tradicional del concepto de discapacidad, rompiendo con los criterios de normalidad y los procesos de patologización de las discapacidades. En este trabajo, presento los supuestos teóricos que sustentan la idea de "teoría crítica de la discapacidad" en la literatura más reciente en Ciencias Sociales y Derecho, buscando identificar su potencial para superar las insuficiencias de la(s) teoría(s) tradicional(es) de la discapacidad. Me apoyo tanto en teóricos desde una perspectiva feminista contemporánea que buscan mapear las interlocuciones entre la discapacidad y la exclusión social como en los teóricos que desarrollaron la idea de un "paradigma social de la discapacidad". Uno de los principales enfoques de la teoría crítica de la discapacidad es proporcionar interpretaciones comprensivas sobre el fenómeno de la discapacidad, favoreciendo la construcción de nuevos modelos constructivos de conceptos y derechos.

Palabras clave: Teoría crítica de la discapacidad, Persona con discapacidad, Derechos humanos, Teoría social.

ABSTRACT

The recent emergence of "critical disability theory" corresponds to a direct result of Frankfurt's contributions in the last century. It emerges as an interpretative model suitable for the experiences of people with disabilities, using political, cultural and social elements as references. This theoretical paradigm aims to identify the contradictions that exist in the traditional reading of the concept of disability, breaking with the criteria of normality and the processes of pathologizing disabilities. In this work, I present the theoretical assumptions that underpin the idea of ​​"critical disability theory" in the most recent literature in Social Sciences and Law, seeking to identify its potential to overcome the insufficiencies of traditional theory(ies) of disability. I draw on both theorists from a contemporary feminist perspective who aim to map the interlocutions between disability and social exclusion and the theorists who developed the idea of ​​a "social paradigm of disability". One of the main emphases of critical disability theory is to provide comprehensive interpretations regarding the phenomenon of disability, favoring the construction of new constructive models of concepts and rights.

Keywords: Critical disability theory, Person with disability, Human rights, Social theory.

INTRODUÇÃO

Em uma das diferentes leituras possíveis[1], as interpretações críticas da sociedade tiveram como pressuposto central identificar as contradições responsáveis por afetar a formatação das normas jurídicas[2]. Essas tendências teóricas observam que a construção normativa está diretamente associada à existência de fatores políticos e sociais externos ao próprio núcleo produtor do Direito[3]. Forjada a partir da década de 1990, a interpretação crítica da deficiência se fixa justamente nessa tendência: ela procura desconstruir a visão desenvolvida em distintos contextos socioculturais, políticos e jurídicos a respeito de quem são as pessoas com deficiência e como se estruturam suas experiências[4]. Por adotar um referencial crítico, cujas origens e bases epistemológicas explorarei mais adiante neste trabalho, a desconstrução do conceito de deficiência realizada por essa abordagem nos mostra como ele reflete interesses de classe e relações de poder – que determinam quem são as pessoas consideradas socialmente "normais" e quais não se enquadram nesse conceito[5].

Na medida em que se firma a análise das contradições a respeito das bases e discursos tradicionais que formataram a ideia de deficiência nas sociedades ocidentais, a teoria crítica da deficiência procura demonstrar que visões corponormativas, além de serem insuficientes para solucionar as questões sociopolíticas que afetam esse grupo, também potencializam as violações de seus direitos humanos. Para essa perspectiva, a deficiência não corresponde apenas a um debate inserido nas instituições medicinais e tampouco diz respeito às questões de caridade ou sensibilidade social[6]. Na verdade, essa categoria está muito mais posta em relação aos problemas de política, de impotência nos processos de participação social e de poder sobre e para influenciar os rumos da sociedade[7]. Por isso, é tradicional afirmarmos que a teoria crítica da deficiência desafia a supremacia da identificação corponormativa das pessoas com deficiência, além de se colocar diante das opressões que restringem o acesso desses sujeitos aos benefícios econômicos e sociais[8].  

Isso quer dizer, portanto, que uma das entradas possíveis da teoria crítica da deficiência é justamente por meio do afastamento de uma visão patológica sobre a deficiência, firmada no paradigma biomédico, acompanhado de uma crítica que identifique as muitas apreensões da deficiência na cultura, na sociedade, na política e no mundo jurídico[9]. A partir deste panorama, busco apresentar e discutir as bases do que tem sido nomeado como "teoria crítica da deficiência" na literatura internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência, procurando afirmar esse fenômeno como uma perspectiva teórica útil para o desenvolvimento dos estudos sobre deficiência para além de uma visão influenciada pelo paradigma biomédico – ou mesmo outros paradigmas tradicionais sobre o tema. Recorro à literatura específica sobre pessoas com deficiência, produzida tanto pelas Ciências Sociais quanto pelo Direito. Essa interlocução é benéfica para o desenvolvimento do trabalho porque nos permite visualizar tanto as insuficiências dos modelos tradicionais de deficiência, sobretudo ao olharmos para a maneira como foram constituídos, quanto mapear a construção da ideia de "crítica" e sua importância para a formação dessa leitura sobre a deficiência.

1. O QUE HÁ DE CRÍTICO NA TEORIA CRÍTICA?[10] 

Enquanto tendência filosófica desenvolvida por teóricos associados à tradição de ensino, pesquisa e escrita da Escola de Frankfurt[11], a teoria crítica da sociedade foi constituída a partir de um pano de fundo histórico complexo[12]. Seja como uma tradição filosófica, um conjunto de questões formuladas a respeito da realidade sociopolítica instituída no último século ou mesmo enquanto tentativa de contestar as insuficiências epistemológicas da teoria tradicional[13], a teoria crítica não se mostra apenas como um subcampo da teoria social, mas sim como uma medida necessária para uma correta apreensão da realidade, ao mesmo tempo em que se busca solucionar as patologias sociais em diferentes vieses, com pontos de vista plurais[14]. Uma das premissas determinantes do método desenvolvido pela teoria crítica frankfurtiana consiste não em uma adoção de valores éticos ou políticos como instrumentos para explicar como funcionam os fenômenos sociopolíticos e culturais, mas sim como categorias necessárias para apreender a totalidade do real, para além dos processos responsáveis por constituí-los[15]. É comum afirmarmos que a teoria crítica se comporta enquanto uma maneira de identificação das contradições sociais, a fim de apresentar julgamentos, avaliações e atividades transformadoras[16].

O surgimento da teoria crítica está historicamente situado nas imbricações entre o fracasso das revoluções proletárias e o avanço da marcha política nazifascista sobre a Europa, sem contar o desenvolvimento do capitalismo monopolista e das sociedades administradas[17]. A teoria crítica da sociedade remonta à consolidação do programa de análises organizado pelo Instituto de Pesquisa Social, de Frankfurt, formado em 1924 por um grupo de intelectuais de orientação marxista pertencentes às diferentes áreas das Ciências Humanas. A proposta introdutória desse programa era conformar um novo paradigma de conhecimento, radicalmente distinto daquele considerado "dominante" nas Ciências Sociais[18], que se opusesse frontalmente aos modelos epistemológicos de matriz empírica ou positiva.

No âmbito da Escola de Frankfurt, a "crítica" não significa apenas um ato de julgamento, mas principalmente uma fórmula de relacionar o sujeito à realidade em que está inserido, de modo que a crítica permite o diálogo entre aquilo que é percebido na vida material e um conhecimento racional a respeito do mundo. Em um instante teórico no qual a preocupação era demonstrar a existência de estruturas racionais que nos fornecem acesso à realidade, a teoria crítica surge como uma forma mais ampla de perfazer a relação sujeito-objeto. Por isso, a tarefa precípua da teoria crítica da sociedade é identificar as condições que estabelecem o conhecimento social a respeito do funcionamento de seus próprios fenômenos, tendo como finalidade a transformação do mundo objetivo (das instituições e da cultura) e da própria natureza humana[19].

Nas desenvolturas da teoria crítica, os intelectuais frankfurtianos perceberam a gestação de um longo processo de corrupção da racionalidade e do conhecimento humano[20], que, expostos à ideia de instrumentalização, a fim de se tornarem mecanismos de dominação social, abriram margem à permanência de uma teoria tradicional – responsável por distanciar o pesquisador (ou cientista social) dos fenômenos sociais. A partir de 1937, com a publicação do texto Teoria tradicional e teoria crítica, por Max Horkheimer, esse conceito recebe contornos mais claros e determinantes das relações entre pensamento e ação. O conhecimento verdadeiramente racional deixa de ser aquele baseado na lógica e nas matrizes cartesianas/kantianas para assumir uma postura crítica, de identificação das contradições sociais, transformação e surgimento de novas formas de atividade humana. Essa perspectiva demonstra que, em termos de teoria do conhecimento, a visão crítica condenou diretamente a visão tradicional de racionalidade, que aos poucos se tornavam insuficiente para solucionar os problemas sociais[21]. A teoria não pode ser mais tradicional porque ela rejeita princípios fundamentais do conhecimento: o cientista está inserido na realidade e não pode simplesmente abstrair hipóteses, como se fosse um observador externo; e, permanecer no modelo tradicional, seria condenar o conhecimento à separação entre saber e agir, uma vez que seria uma apreensão apenas parcial da realidade[22].

2. PRESSUPOSTOS PARA UMA TEORIA CRÍTICA DA DEFICIÊNCIA 

As interpretações mais recentes a respeito do fenômeno da deficiência não pertencem propriamente à esfera jurídica, embora sejam por ela apreendidas. A reflexão sociológica tem realizado importantes incursões teóricas sobre o debate da cidadania e dos direitos humanos das pessoas com deficiência, além de enfocar aspectos que tornem possíveis novas apreensões do conceito de "deficiência"[23] – que, historicamente, foi trabalhado de forma difusa e com aproximações significativas à tendência corponormativa[24]. Erguida a partir da luta social dos movimentos políticos de pessoas com deficiência, a teoria crítica da deficiência surge como um importante recurso epistemológico que visa à criação de novas (e mais adequadas) leituras sobre o conceito de deficiência[25], reconhecendo que não se trata apenas de um problema corporal, mas de política e poder. Ela avança para dentro das reivindicações e experiências capturadas na dimensão prática por ativistas dos direitos das pessoas com deficiência, além de se situar como um movimento crescente nas agendas políticas e acadêmicas[26]. Enquanto um movimento interdisciplinar, que emerge diretamente das contribuições da Escola de Frankfurt para a teoria social, a teoria crítica da deficiência adota uma postura típica da sociologia radical, opondo-se ao modelo tradicional de estudos sobre a deficiência e, principalmente, aos seus conceitos[27].

Aproximando-se de uma tendência sociológica radical, a teoria crítica da deficiência desenvolve seus pressupostos a partir de uma observação atenta sobre as desigualdades sociais, os níveis de acesso aos recursos materiais e os processos de polarização e discriminação nas comunidades políticas, responsáveis por afetar diretamente as experiências sociais das pessoas com deficiência[28]. Na medida em que assume uma proposta crítica, a teoria crítica da deficiência também rejeita qualquer tipo de neutralidade axiológica no contexto das análises sociais. A partir de então, torna-se fundamental observar como a deficiência se relaciona (e é produzida) pelas categorias do capital, da opressão e da justiça social[29]. Não seria demais afirmar que a teoria crítica da deficiência, sistematizando os pressupostos teóricos frankfurtianos para construir uma interpretação contemporânea a respeito do fenômeno da deficiência, procura desmascarar questões e problemas sobre a deficiência que o sistema sociopolítico e cultural tende a afastar da sociedade, fazendo com que se tornem uma espécie de doxa política ao invés de narrativas emancipatórias[30]. Além de contestar as hermenêuticas tradicionais, uma das tendências da teoria crítica da deficiência corresponde à forte oposição à ideia de que, em maior ou menor grau, todas as pessoas são demarcadas por algum tipo de deficiência[31].

Há diferentes fatores, situados tanto em nível sociopolítico quanto cultural, que influenciaram o reconhecimento recente da teoria crítica da deficiência como um framework válido para os estudos sobre deficiência. O foco dessa abordagem está na identificação de elementos que tendem a relativizar as deficiências como critérios sociais diferenciadores e que dependem de políticas específicas para a concretização de estados nos quais as pessoas com deficiência podem ser reconhecidas como detentoras de uma cidadania exigente. Ao invés de contestar singularmente cada paradigma (ou modelo) de deficiência, essa interpretação crítica realiza uma substituição pelos relatos historicamente situados da deficiência frente à intersecção com outras categorias de análise das opressões – como a classe social, o gênero e a raça[32]. A teoria crítica da deficiência foi responsável pela promoção de uma importante reavaliação dos pressupostos fundadores do paradigma social de deficiência[33]. Além de reconhecer a função limitadora das barreiras sociais em relação à construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência, esse modelo teórico também defendeu uma distinção conceitual entre deficiência como limitação funcional e incapacidade, compreendida enquanto um sistema de discriminação produzido socialmente, a partir de uma cultura que invalida as pessoas com deficiência como atores sociais competentes[34].

A teoria crítica da deficiência rejeita qualquer tipo de pensamento binário a respeito desse conceito, afastando-se de tendências que busquem compreender a deficiência a partir de um olhar dicotômico, como ocorre no debate entre os paradigmas biomédico e social[35]. Como uma epistemologia fundada na radicalidade sociológica, que não aceita interpretações simplistas sobre a deficiência senão aquelas demarcadas por uma leitura integral dos processos sociais que estruturam opressões e discriminações contra as pessoas com deficiência, a teoria crítica da deficiência surge como uma reação dúplice, objetivando atingir tanto as influências de um marxismo autoritário quanto de um determinismo econômico que auxiliou na produção dos paradigmas mais recentes de deficiência[36]. Ainda que existam teóricos adeptos ao paradigma social que estudam as interrelações entre deficiência e sistema capitalista de produção[37], essa abordagem valoriza a análise das barreiras sociais como uma das diversas ferramentas que operam separadamente em uma investigação. Por isso, a teoria crítica da deficiência objetiva incorporar uma compreensão complexa de deficiência, sem que isso signifique desprezar as contribuições que vieram com a ascensão do paradigma social de deficiência.

Os marcadores situados no processo constitutivo da teoria crítica da deficiência demonstram que o compromisso entre a produção acadêmica do conhecimento sobre deficiência e a luta social organizada pelos movimentos políticos desse grupo foi modificado. Não significa dizer que a teoria crítica da deficiência abandona a luta pela justiça social ou as questões de diversidade, antes discutidas em termos sociais, econômicos e políticos. Na verdade, tratam-se de lutas contínuas que, a partir da emergência da teoria crítica da deficiência, são acrescidas de fatores psicológicos, culturais e discursivos[38] – abrindo-se margem, por exemplo, às relações entre deficiência, cidadania e reconhecimento social. Aos poucos, sobretudo pela emergência de novas formas de interpretação do fenômeno da deficiência, determinadas áreas do conhecimento que tratavam essas questões sob o ponto de vista corponormativo, reforçando modelos individuais de responsabilidade pelas limitações corporais e criando estigmas, revisaram o compromisso teórico a fim de adotar perspectivas críticas e ampliadas do conceito de deficiência[39]. Nesse sentido, assim como outras tendências teóricas críticas que afetam profundamente as categorias normatizadas (e normalizadas) pelo mundo jurídico, como as ideias de "política", "raça" e "deficiência", a teoria crítica da deficiência reconhece a necessidade de articular essas ideias em um contexto histórico complexo, que exige aberturas interpretativas interdisciplinares como forma de compreender a deficiência como um conceito socialmente forjado.

A introdução de uma orientação crítica e emancipatória nos estudos sobre deficiência é fundamental porque evidencia a necessidade de uma transformação social densa, organizada a partir da práxis política das próprias pessoas com deficiência e acompanhada pela adjacente tentativa de estruturar uma teoria crítica nesse campo de análise. Afirmar que a teoria crítica da deficiência implica modificações progressivas nas assimetrias de poder que determinam a marginalidade das pessoas com deficiência não significa que a sua revisão teórica deve ser feita a partir de parâmetros marxistas[40], como têm feito os adeptos ao paradigma social. Conforme afirmei anteriormente, há uma clara influência da razão dialética frankfurtiana na construção da teoria crítica da deficiência. Embora os estudos sobre deficiência não tivessem como propósito inicial analisar a influência da luta de classes sobre a constituição desse conceito, a teoria crítica da deficiência também introduz a dinâmica das relações econômicas na sociedade capitalista como um importante marcador social[41]. Uma leitura que abranja diferentes problemas que afetam as pessoas com deficiência em suas experiências sociais abre espaço não apenas para a expansão da agenda dos estudos sobre deficiência, a fim de angariar novas temáticas e abordagens metodológicas, mas também para (re) pensar o sistema das relações intersubjetivas, responsável por determinar, por exemplo, o sentimento de pertença como uma condição para a qualidade de vida da pessoa com deficiência[42].

A teoria crítica da deficiência foi profundamente influenciada por outros programas de interpretação crítica sobre marcadores sociais da diferença – dentre os quais é possível citar a teoria crítica da raça, a teoria queer e o feminismo crítico. Entre outros elementos, essas propostas teóricas compartilham entre si a tentativa de problematizar concepções estáveis e singulares de identidade, propondo uma virada epistemológica que possibilite compreensões mais fluidas e contextuais sobre, por exemplo, quem deve ser considerado pessoa com deficiência[43]. Além do emprego do conceito de interseccionalidade como parâmetro contributivo para uma transformação social potente, a teoria crítica da deficiência também objetiva rejeitar as dicotomias nós/eles, a fim de questionar as políticas de identidade das pessoas com deficiência como instrumentos úteis à manutenção das estruturas opressivas da sociedade.

Nesse viés, a teoria crítica da deficiência reconhece a existência de pouca teorização a respeito da identidade das pessoas com deficiência. Essa problemática tende a ser suprida na medida em que se identificar uma saída para além do dualismo existente: de um lado, uma identidade construída coletivamente, pelo sentimento de exclusão e discriminação, que pode contribuir para a vitimização das pessoas com deficiência; por outro, uma identidade decorrente do orgulho partilhado pelas conquistas de pessoas com deficiência, que possibilita o surgimento de "heróis"[44]. Assim, a teoria crítica da deficiência busca construir uma economia política da deficiência, que empregue tanto aspectos do paradigma social quanto experiências vividas pelas próprias pessoas com deficiência como forma de identificar fatores socioculturais que permitam o agir desses sujeitos na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, apresentei os pressupostos teóricos que permitiram a emergência da "teoria crítica da deficiência", seja como programa crítico autônomo ou enquanto continuidade de um sistema mais amplo, que privilegia leituras alternativas à situação da raça, do gênero e das classes nos debates da teoria social. Objetivei também demonstrar como a teoria crítica da deficiência é demarcada por potenciais necessários para superar as dicotomias e problemáticas enfrentadas pela teoria tradicional – ainda apegada às contribuições do paradigma social de deficiência. Essa postura teórica compreende um conjunto amplo de abordagens que buscam visualizar a deficiência não mais como uma questão medicinal associada ao elemento corponormativo, mas, sobretudo, enquanto fenômeno com feixes culturais, sociais e políticos[45]. Ao passo que se contrapõe à tendência tradicional da deficiência, que tem como base a escrita da história, das políticas e das normativas aplicáveis às pessoas com deficiência a partir da concatenação de paradigmas de conceituação, a teoria crítica da deficiência tem como foco a discussão a respeito da noção de normalidade – que é responsável por estruturar o próprio conceito de deficiência. Além disso, essa interpretação crítica procura associar a deficiência a outros movimentos que compartilham dos mesmos princípios de criticidade, como aquelas que abordam os problemas de raça, gênero e teoria queer.

Na condição de metodologia para uma leitura adequada dos conceitos associados às pessoas com deficiência, um dos pontos fortes da teoria crítica da deficiência consiste no favorecimento das abordagens interseccionais e de inclusão exclusiva, uma vez que sua compreensão parte da ideia de que as pessoas com deficiência são assinaladas por marcadores de diferença que, por sua vez, causam opressões e caracterizam a deficiência como patologia[46]. A teoria crítica da deficiência está interessada na luta por questões não incluídas diretamente na agenda tradicional das lutas sociais das pessoas com deficiência, como as reivindicações por igualdade racial no acesso aos espaços médicos e educacionais, as demandas por justiça ambiental e liberdade reprodutiva das mulheres com deficiência. Assim, a teoria crítica da deficiência compreende uma disciplina ainda em desenvolvimento – e que encontra pouca expressão nos estudos brasileiros sobre deficiência, que ainda têm um claro enfoque nos problemas tradicionais, com ênfase na sucessão de paradigmas que formataram o conceito de deficiência. Na condição de uma metodologia politicamente responsiva aos problemas contemporâneos que se mantêm presentes nas experiências sociais das pessoas com deficiência, essa abordagem tende a favorecer políticas de inclusão efetiva desses sujeitos, a fim de fazer com que sejam superados os desafios das prioridades culturais complexas[47], que compreendem a amplitude de tipos de deficiência individualmente considerados e, simultaneamente, as interlocuções entre deficiência e os eixos de raça, classe social, nacionalidade, gênero e sexualidade[48]. Nesse sentido, entendo que a principal contribuição da teoria crítica da deficiência corresponde à interlocução com outras áreas do conhecimento e a tentativa de desenvolver uma leitura holística sobre a pessoa com deficiência em suas múltiplas perspectivas.

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Las opiniones, análisis y conclusiones del autor son de su responsabilidad y no necesariamente reflejan el pensamiento de la Revista Inclusiones.


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[6] Nesse sentido, ver SLEETER, Christine. Building counter-theory about disability. Disability Studies Quarterly, v. 30, n. 2, p. 1-6, 2010.

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[8] RIOUX, Marcia H.; PRINCE, Michael. The Canadian political landscape of disability: policy perspectives, social status, interest groups and the rights movements. In: PUTEE, Alan (Ed.). Federalism, democracy and disability policy in Canada. Kingston: McGill-Queen’s University Press, 2002.

[9] RIOUX, Marcia H.; VALENTINE, Fraser. Does theory matter? Exploring the nexus between disability, human rights, and public policy. In: DEVLIN, Richard; POTHIER, Dianne (Eds.). Critical disability theory: essays in philosophy, politics, policy, and law. Toronto: University of British Columbia Press, 2005.

[10] Para intitular o primeiro tópico deste trabalho, fazemos uma referência direta ao texto "What's critical about critical theory?", escrito e publicado por Nancy Fraser, uma das representantes da nova tendência da Escola de Frankfurt, em 1985. No artigo, a autora procura evidenciar sua preferência pelo conceito marxiano de teoria crítica como uma autocompreensão das lutas e desejos de uma determinada época, embora essa noção seja marcada por uma questão política. Para Fraser, uma teoria crítica da sociedade tem como premissa o enquadramento de seu programa de investigação e de seu quadro de conceitos a partir das práticas desenvolvidas por movimentos sociais, de tal maneira que essa releitura da teoria crítica visa identificar as características e as bases das opressões que afetam determinados sujeitos sociais, como as mulheres. Nesse sentido, consultar FRASER, Nancy. What's critical about critical theory? The case of Habermas and gender. New German Critique, v. 1, n. 35, p. 97-131, 1985.

[11] NOBRE, Marcos. A teoria crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 15-17.

[12] WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico, significação política. 2. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2006, p. 50-61.

[13] BRONNER, Stephen Eric. Of critical theory and its theorists. Oxford: Blackwell, 1994, p. 42.

[14] THOMPSON, Michael J. Introduction: what is critical theory? In: THOMPSON, Michael J. (Ed.). The Palgrave Handbook of Critical Theory. New York: Palgrave Macmillan, 2017.  No mesmo sentido, ver BRONNER, Stephen Eric. Reclaiming the enlightenment: toward a politics of radical engagement. New York: Columbia University Press, 2004, p. 21.

[15] THOMPSON, Michael J. Op. cit., p. 1-3.

[16] FEENBERG, Andrew. The philosophy of praxis: Marx, Lukács and the Frankfurt School. London: Verso, 2014. Ver também SCHROYER, Trent. The critique of domination: the origins and development of critical theory. New York: Braziller, 1973.

[17] FREITAG, Bárbara. A teoria crítica ontem e hoje. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 12-15.

[18] ARONOWITZ, Stanley. Against orthodoxy: social theory and its discontents. New York: Palgrave Macmillan, 2015, p. 35-37.

[19] JAY, Martin. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais, 1923-1950. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008, p. 39-41.

[20] Para os teóricos da Escola de Frankfurt, a "razão instrumental" é aquela que não possui a capacidade de fundamentar ou propor discussões acerca dos objetivos ou finalidades com que os homens orientam suas vidas. A sua instrumentalidade decorre da possibilidade de identificar, construir e aperfeiçoar os instrumentos ou meios adequados para alcançar os fins estabelecidos e controlados por um sistema. Para a filosofia desenvolvida pela Escola de Frankfurt, o homem se tornou um "apêndice" da razão burguesa – que, dotada de caráter instrumental, infiltra-se nas instituições e forma os indivíduos conforme um aparato técnico. A racionalidade técnica faz com que todo pensar seja reduzido às instâncias da calculabilidade e administração. Os homens se tornam objetos da ordem social que tudo engloba e se organiza de acordo com uma produção autonomizada, com experiências empobrecidas e marcadas pela rapidez, banalidade, manipulação e regressão das massas.

[21] FUCHS, Christian. Critical theory. In: MAZZOLENI, Gianpietro (Ed.). The International Encyclopedia of Political Communication. New Jersey: Wiley Blackwell, 2015.

[22] Desenvolvida pela Escola de Frankfurt, a teoria crítica da sociedade foi responsável por evidenciar um problema fundamental para a teoria do conhecimento e a filosofia social: de um lado, é preciso empregar a razão dialética como dimensão epistemológica, como forma de enfatizar as contradições sociais, a partir de referenciais teóricos ancorados no pensamento de Hegel, Marx e Freud; de outro, é necessário combater a existência de uma metodologia sistêmica e positivista, que abafa as contradições. Por isso, a teoria crítica da sociedade se propõe a ser um pensamento de práxis, de ação transformadora de uma realidade que, até então, encontrava-se encoberta por um modelo tradicional de conhecimento. "[...] Isso porque as formas defeituosas de raciocínio conduzem à recriação e sedimentação da realidade prevalecente e existente e ao apoio contínuo dos membros dessa sociedade às suas relações e forças irracionais e dominantes. O objetivo principal de uma teoria crítica da sociedade não é, portanto, impor um conjunto de valores e ideais a priori ao mundo social, mas sim desvendar as contradições que já existem no seu interior; tornar evidente uma visão emancipatória do próprio tecido daquilo que tomamos como dado, como básico no nosso mundo social" THOMPSON, Michael J. Op. cit., p. 3, tradução minha.

[23] BARNES, Colin; MERCER, Geof. The politics of disability and the struggle for change. In: BARTON, Len (Org.). Disability politics and the struggle for change. London: David Fulton, 2002. A respeito da temática, consultar também DAVIS, Lennard J. Bending over backwards: disability, dismodernism, and other difficult positions. New York: New York University Press, 2002.

[24] FONTES, Fernando; MARTINS, Bruno Sena. A normalidade em crise. In: FONTES, Fernando; MARTINS, Bruno Sena (Orgs.). Deficiência e emancipação social: para uma crise da normalidade. Coimbra: Almedina, 2016.

[25] MEEKOSHA, Helen; SHUTTLEWORTH, Russell Peter; SOLDATIC, Karen. Disability and critical sociology: expanding the boundaries of critical social inquiry. Critical Sociology, v. 39, n. 3, p. 319-323, 2013.

[26] HAMRAIE, Aimi. Beyond accommodation: disability, feminist philosophy, and the design of everyday academic life. PhiloSOPHIA, v. 6, n. 2, p. 259-271, 2016.

[27] FILKELSTEIN, Vic. Representing disability. In: SWAIN, John; FRENCH, Sally; BARNES, Colin; THOMAS, Carol (Eds.). Disabling barriers, enabling environments. London: SAGE, 2004, p. 74-77.

[28] GOODLEY, Dan. Dis/Ability studies: theorizing disablism and ableism. Oxford: Routledge, 2014, p. 23.

[29] MINICH, Julie Avril. Op. cit., p. 7.

[30] GOODLEY, Dan; LAWTHOM, Rebecca; LIDDIARD, Kirsty; RUNSWICK-COLE, Katherine. Critical disability studies. In: GOUGH, Brendan (Ed.). The Palgrave Handbook of Critical Social Psychology. London: Palgrave Macmillan UK, 2017, p. 206-208.

[31] EREVELLES, Nirmala; MINEAR, Andrea. Unspeakable offenses: untangling race and disability in discourses of intersectionality. Journal of Literary & Cultural Disability Studies, v. 4, n. 2, p. 127-145, 2010.

[32] A ideia de interseccionalidade remonta às contribuições teóricas do feminismo negro (black feminism) norte-americano nas décadas de 1980 e 1990. A introdução desse termo na teoria social foi provocada a partir da publicação do artigo Mapping the margins: intersectionality, identity politics, and violence against women of color, de Kimberlé Crenshaw. Assim como outras categorias estudadas neste texto, a interseccionalidade possui uma faceta metodológica, uma vez que procura demonstrar a impossibilidade de se interpretar separadamente os marcadores de raça (e o racismo), de gênero (e o patriarcado) e de classe social (e o capitalismo), mas apenas em conjunto, como fatores que se entrelaçam, formando um . No entanto, a interseccionalidade também assume uma postura de prática política, já que está diretamente integrada aos processos de produção e avaliação de políticas sociais, por exemplo. HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social, v. 26, p. 61-73, jun. 2014. Ainda, para uma abordagem aprofundada sobre a temática, ver VIGOYA, Mara Viveros. La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación. Debate Feminista, v. 52, p. 1-17, 2016.

[33] EVERELLES, Nirmala; KAFER, Alison. Committed critique: an interview with Nirmala Erevelles. In: BURCH, Susan; KAFER, Alison (Eds.). Deaf and disability studies. Washington, DC: Gallaudet University Press, 2010. No mesmo sentido, ver KAFER, Alison. Feminist, queer, crip. Bloomington: Indiana University Press, 2013.

[34] MEEKOSHA, Helen; SHUTTLEWORTH, Russell Peter. What’s so 'critical' about critical disability studies? Australian Journal of Human Rights, v. 15, n. 1, p. 47-75, 2009.

[35] MEEKOSHA, Helen; DOWSE, Leanne. Integrating critical disability studies into social work. Practice Social Work in Action, v. 19, n. 3, p. 169-183, 2007.

[36] SHILDRICK, Margrit. Dangerous discourses: anxiety, desire, and disability. Studies in Gender and Sexuality, v. 8, n. 3, p. 221-244, 2007.

[37] OLIVER, Michael. Politics of disablement. New York: St. Martin’s Press, 1990, p. 16-21. No mesmo viés, consultar RUSSELL, Marta; MALHOTRA, Ravi. Capitalism and disability. Socialist Register, v. 38, p. 211-228, 2009.

[38] MEEKOSHA, Helen; SHUTTLEWORTH, Russell Peter. Op. cit., p. 47-51.

[39] GOODLEY, Dan; LAWTHOM, Rebecca. Disability and psychology: critical introductions and reflections. New York: Palgrave Macmillan, 2006, p. 14-29.

[40] PFEIFFER, David. The disability studies paradigm. In: DEVLIEGER, Patrick; RUSCH, Frank; PFEIFFER, David (Eds.). Rethinking disability: the emergence of new definitions, concepts and communities. Belgium: Garant, 2003, p. 104.

[41] FILKELSTEIN, Vic. Op. cit., p. 74-77.

[42] ALLAN, Julie. Inclusion as an ethical project. In: TREMAIN, Shelley Lynn (Ed.). Foucault and the government of disability. Michigan: University of Michigan Press, 2005. Consultar também ANTHIAS, Floya. Belongings in a globalizing and unequal world: rethinking translocations. In: YUVAL-DAVIS, Nira; KANNABIRAN, Kalpana; VIETEN, Ulrike (Eds.). The situated politics of belonging. London: Sage, 2006, p. 20.

[43] DOSSA, Parin. Disability, marginality and the Nation-State. Negotiating social markers of difference: Fahimeh’s story. Disability & Society, v. 21, n. 4, p. 345-358, 2006.  

[44] REEVE, Donna. Negotiating psycho-emotional dimensions of disability and their influence on identity constructions. Disability & Society, v. 17, n. 5, p. 493-508, 2002. No mesmo sentido, ver LINTON, Simi. Disability studies/not disability studies. Disability & Society, v. 13, n. 4, p. 525-539, 1998.

[45] MEEKOSHA, Helen; SHUTTLEWORTH, Russell Peter. Op. cit., p. 47-75.

[46] ALMEIDA, Philippe Oliveira de; ARAÚJO, Luana Adriano. DisCrit: os limites da interseccionalidade para pensar sobre a pessoa negra com deficiência. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 2, p. 611-641, 2020.

[47] EVERELLES, Nirmala; KAFER, Alison. Op. cit., p. 212.

[48] Idem, p. 213.