Grupo de estudos sobre mulheres e feminismos (GEMEF): relatos de experiências, estudos e vivências

Women and feminisms study group (GEMEF): reports of experiences, studies, and life stories

Grupo de estudios sobre mujeres y feminismos (GEMEF): relatos de experiencias, estudios y vivencias



Dra. Alexsandra Maria Sousa Silva

Faculdade Luciano Feijão, Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral-CE, Brasil
alexsandramss88@gmail.com 

https://orcid.org/0000-0003-3362-2685 

Ms. Anne Graça de Sousa Andrade

Faculdade Luciano Feijão, Sobral-CE, Brasil
annegsa@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0003-1319-4927

Lic. Rosaly Tavares Farias

Faculdade Luciano Feijão, Sobral-CE, Brasil
rosalytfarias@gmail.com

https://orcid.org/0009-0005-8980-0673 

Lic. Ana Letícia dos Santos Canuto do Nascimento  

Faculdade Luciano Feijão, Sobral-CE, Brasil
analeticiacanuto2022@gmail.com

https://orcid.org/0009-0000-6865-6514

Lic. Amanda Silva Mesquita

Faculdade Luciano Feijão, Sobral-CE, Brasil
psicologaamandamesquita@outlook.com 

https://orcid.org/0009-0005-8980-0673

Lic. Pâmela Giovana Da Silva

Faculdade Luciano Feijão, Sobral-CE, Brasil
pamelagiovana0@gmail.com

https://orcid.org/0009-0009-9933-613X

Lic. Joyce Coelho Vasconcelos

Faculdade Luciano Feijão, Sobral-CE, Brasil

https://orcid.org/0009-0004-3542-613X

joyse.c.v@hotmail.com

Lic. Isa Braga Freire
Faculdade Luciano Feijão, Sobral-CE, Brasil
isabragaf01@outlook.com
https://orcid.org/0009-0004-5169-1195

Fecha de Recepción: 29 de Febrero de 2024
Fecha de Aceptación: 16 de Septiembre de 2024
Fecha de Publicación: 7 de Noviembre de 2024

Financiamiento:
Coordenadoria de pesquisa e extensão (CEPEX), da faculdade Luciano Feijão (FLF), Sobral-CE.

Conflictos de interés:
Los autores declaran no presentar conflictos de interés.

Correspondencia:
Nombres y Apellidos: Dra. Alexsandra Maria Sousa Silva
Correo electrónico: alexsandramss88@gmail.com
Dirección postal: Brasil

Este artigo é resultado de um relato de experiência com um grupo de estudo.

RESUMO

O GEMEF é um Grupo de Estudos sobre Mulheres e Feminismos existente há dois anos na Faculdade Luciano Feijão (FLF), organizado pelo curso de Psicologia, com o objetivo de discutir sobre as realidades vividas por mulheres e pela diversidade de gêneros. A metodologia desse grupo se dá através de rodas de conversas e debates que ocorrem quinzenalmente, com estudantes de todos os cursos onde discutimos textos relacionados a temática em questão, a partir de referenciais teóricos basilares, selecionados previamente pela professora e pelas monitoras. O resultados tem se dado através do envolvimento dos participantes nas discussões, bem como através da construção de trabalhos acadêmicos apresentados em eventos e da produção de artigos e livros que tem contribuído significativamente para a relevância da temática na região.

Palavras-chave: Psicologia, Mulheres, Feminismos.

ABSTRACT

GEMEF is a Study Group on Women and Feminism that has existed for two years at Faculdade Luciano Feijão (FLF), organized by the Psychology course, with the aim of discussing the realities experienced by women and gender diversity. The methodology of this group is through conversations and debates that occur every fortnight, with students from all courses where we discuss texts related to the topic in question, based on basic theoretical references, previously selected by the teacher and instructors.  The results are achieved through the involvement of two participants in the discussions, as well as through the construction of academic works presented at events and the production of articles and books that contributed significantly to the relevance of the topic in the region.

Keywords: Psychology, Women, Feminisms.

RESUMEN
El GEMEF es un Grupo de Estudios sobre Mujeres y Feminismos que existe desde hace dos años en la Facultad Luciano Feijão (FLF), organizado por el curso de Psicología, con el objetivo de discutir las realidades vividas por mujeres y la diversidad de géneros. La metodología de este grupo se basa en círculos de conversación y debates que ocurren quincenalmente, con estudiantes de todos los cursos, donde discutimos textos relacionados con la temática en cuestión, a partir de referencias teóricas fundamentales, seleccionadas previamente por la profesora y las monitoras. Los resultados se han manifestado a través del involucramiento de los participantes en las discusiones, así como en la elaboración de trabajos académicos presentados en eventos, y en la producción de artículos y libros que han contribuido significativamente a la relevancia del tema en la región.

Palabras clave: Psicología, Mujeres, Feminismos.

INTRODUÇÃO

O GEMEF é um Grupo de Estudos sobre Mulheres e Feminismos, que nasceu a partir de inquietações de estudantes de Psicologia e do interesse em aprofundar a temática homônima. Existente há dois anos, ele vem acontecendo todo semestre, sistematicamente, através de rodas de conversas e discussões voltadas para o estudo da temática em questão, com periodicidade quinzenal, destinado aos estudantes da Faculdade Luciano Feijão (FLF).

A temática tem se mostrado relevante para os acadêmicos, à medida que buscam por eventos e atividades extras, assim como também, tem se tornado objeto de estudo de pesquisas e intervenções de políticas públicas. No âmbito cientifico, é indubitável que testemunhamos um grande desfalque em estudos sobre mulheres, gêneros e feminismos na formação em Psicologia. Trata-se de, não só uma questão social, mas evidentemente, uma questão que é também de gênero, política, econômica e ética.

Dados mais recentes, apresentados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP[1], mostram ainda que durante a pandemia Covid-19, no Brasil, cerca de 17 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo violência. Esse cenário revela que esse problema histórico, estrutural e social vem se agravando, com isso comprometendo a saúde física e mental, assim como a existência de uma sociedade mais justa e igualitária para as mulheres.

Além desta, tem-se outras discussões que nos convocam a pensar gênero para além da visão dicotômica que divide a existência entre o masculino e o feminino. Temos discussões que apontam para uma diversidade de gênero. Omitir isso da formação acadêmica implica silenciar preconceitos, como a homofobia, a lesbofobia e a transfobia e, assim, favorecer a exclusão. Além disso, essa realidade omissiva pode provocar situações de injustiças e sofrimento que vitimiza milhões de brasileiros e põe em questão o compromisso da Psicologia com a saúde mental e com a justiça social.

Tendo em vista essas diversas lacunas, o GEMEF tem como propósito destinar e potencializar um espaço de problematização de conteúdos e experimentação de novos pensamentos e ideias que possam ampliar a compreensão sobre mulheres, gêneros e feminismos, aproximando a academia da realidade vivida em nosso país. O objetivo deste artigo é apresentar o GEMEF, teórico e metodologicamente, desde sua origem até os dias atuais.

1. METODOLOGIA DO GEMEF

O grupo de estudo está organizado considerado duas direções: a formação de alunos-monitores e a formação de alunos-participantes. Os encontros propostos pela professora orientadora acontecerão com frequência semanal. Inicialmente, serão selecionados dois alunos-monitores, que poderão ser bolsistas ou voluntários. Estes receberão mentoria para condução do grupo de estudos, que ocorrerá juntamente com a professora orientadora, na semana que anteceder o encontro do grupo de estudos com os alunos-participantes. Esses encontros serão destinados para planejamento e orientação aos alunos-monitores; construção do cronograma; organização do material e das inscrições para os participantes, leitura inicial dos textos, etc.

A proposta com os alunos-participantes são oito encontros, ao longo do semestre, com frequência quinzenal, realização de frequência e certificação ao final. Estes se destinarão à discussão de artigos científicos, produzidos por pesquisadores e estudiosos na temática, que serão, preliminarmente, selecionados. Também serão propostas a dinâmicas e vivências articuladas com as temáticas, assim como a realização de produções escritas, como fichamentos, resumos simples e expandidos, artigos e capítulos de livros. Os alunos-monitores e participantes serão incentivados a fortalecer o compromisso com a participação em eventos acadêmicos e com a produção científica, a partir do aprofundamento dos estudos, em grupo.

2. DISCUSSÕES SOBRE O PERCURSO HISTÓRICO: MULHERES E FEMINISMOS

A história das mulheres no contexto brasileiro é marcada por suas lutas por direitos iguais, uma série de cuidados com a família e com os filhos, e um zelo pela sua imagem diante da sociedade. O que não é muito dito, é que as mulheres mantiveram durante todo o seu período histórico de constituição, práticas de cuidado de si específicos, que dizem de uma dimensão para além do que a sociedade impunha em cada época. Del Priore[2] traz em seu livro a importância de conhecer a história das mulheres nos Brasil, desde sua colonização até os dias atuais, fazendo assim, em um recorte de relatos de quatro séculos, das mulheres no Brasil.

Dentro deste cenário, pontos importantes foram sendo constituintes da subjetividade feminina, bem como, do “ser mulher”. Raminelli[3] afirma que inicialmente as mulheres indígenas foram as grandes referências onde, suas práticas de cuidado com a família, com a comida, com os filhos e em linhas bem específicas e raras consigo mesmas, refletem em modos de existir da mulher, que perpassam até os dias atuais.  Uma das marcas que evidenciou a soberania do homem sobre a mulher na colônia, era que o estabelecimento de famílias, onde não ocorriam por cerimônias que efetivassem uma união entre os indígenas, bem como, o homem poderia, caso se cansasse de estar com a mulher, expulsá-la de casa, haviam também,  casos em que o marido “presenteava” outro homem para mesma, como se fosse o dono da mulher, e ainda em caso de morte do marido, a viúva devia por costume casar com seu cunhado mais velho[4].

No que datam os registros históricos sobre como as mulheres viviam desde a Brasil Colônia, fica muito claro que as mesmas, desde muito novas trabalhavam e eram preparadas para cuidar do marido, dos filhos e da casa, sendo muito comum o trabalho das crianças junto com as mães, até o momento em que era arranjado um casamento, ou mesmo eram oferecidas aos europeus em troca de bens materiais. Raminelli[5] assim, retrata um costume que se estendeu por muitos anos onde as mulheres deveriam se casar logo após a primeira menstruação, simbolizando tanto um alivio para os pais, com a passagem da guarda do pai para o marido e assim, a mesma iriam exercer as funções nas quais fora instruída desde sua infância.

As mulheres no Brasil colônia tinham muitos deveres e nenhum direito que não fossem relacionados aos seus respectivos maridos e famílias. A mesma permanecia em longas jornadas dedicadas aos cuidados da casa e de sua família, sem tempo e motivação para práticas simples de cuidado de si. Araújo[6] relata em seu estudo que os cuidados direcionados das mulheres para consigo eram respaldados por recomendações sociais da aparência adequada a ser apresentada socialmente e se comportar com seus maridos e filhos.

O programa de estudo destinado às meninas era bem diferente do dirigido aos meninos [...] as demais restringiam-se ao que interessava ao funcionamento do futuro lar: ler, escrever, contar, coser e bordar; [...] No conjunto, o projeto educacional destacava a realização das mulheres pelo casamento, tornando-as hábeis na “arte de prender a seus maridos e filhos como por encanto, sem que eles percebam a mão que os dirige nem a cadeia que os prende. “Em outras palavras, devia-se aguçar seu instinto feminino na velha prática da sedução, do encanto”[7].

A partir disto, embora possa perceber a mulher como protagonista das maiores atividades do lar, educadas para conquistar e agradar seu marido e seus filhos, a leitura de Araújo[8] leva a reflexão de que a instrução que havia para com as mulheres era objetivada unicamente para a vida matrimonial e materna, caso contrário o direito ao estudo e ingresso em instituições de ensino não era permitido, fato esse que demorou a ser concretizado. Louro[9] ressalta que as conquistas das mulheres foram graduais, desde direitos básicos, como o de frequentar a escola, que ocorreu em 15 de outubro de 1827, bem como, ao direito de acesso ao ensino superior, aprovado em 1879, sendo considerado o passo inicial para a inclusão futura das mulheres no mercado de trabalho.

Entendendo que o contexto histórico trabalhado até este ponto trata-se do Brasil Colônia, mudanças importantes e lutas decisivas aconteceriam apenas muitos anos depois, porém, os modos de vida e de ser mulher na colônia demarcou importantes costumes culturais que posteriormente se tornariam motivos de resistência, protestos, união de mulheres e assim garantia de direitos. Beauvoir[10], quando traz no início de sua obra “O Segundo Sexo”, a frase “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, inicia a elaboração de uma nova forma de perceber a mulher que se estende até a contemporaneidade. Compreendendo a mulher, como o “ser castrado”, dando a ideia de que a mesma advém do homem, ela evidencia que a mulher em sua formação, é fortemente constituída pelo ideal que a sociedade tem sobre ela, daí a ideia do tornar-se, como processo, como movimento.

As formas de ser mulher são caracterizadas na colônia com os dois polos que se estabeleceram: a demonstração e repressão que havia da sexualidade feminina. Não suficiente a educação ser voltada para o matrimonio e a maternidade, Araújo traz que a vida social e a forma de expressar a sexualidade feminina também era pauta no que tange as condutas adequadas, impostas principalmente pela igreja, e como consequência, cobradas pela sociedade.  

A cultura patriarcal, machista e os comportamentos misóginos intimidavam muitas mulheres a aderirem fielmente as imposições que eram feitas referentes às formas de se vestir, nas quais não podiam haver indícios de sedução. Na medida em que em suas casas vestiam-se com roupas largas, que evidenciavam os seios, ombros e pés, partes que poderiam despertar desejo nos homens, nas ruas se assim estivessem eram duramente criticadas, sendo considerado um abandono a si mesma[11].

Dentro deste aspecto, é possível pensar a mulher contemporânea rompendo com esse ideal esperado pela sociedade. Uma das práticas percebidas que diferenciam e em determinadas proporções aumentam a autoestima das mulheres é o cuidado de si. Este fator, tem um importante lugar na história das mulheres no Brasil, partindo desde os cuidados com o corpo, as mães indígenas ao término do período de restrição que, na época, consistia após a queda do umbigo da criança, “pressionavam o ventre contra os troncos mais fortes da cabana, medida adotada afim de evitar a flacidez decorrente do período de gestação”[12].

Neste ponto, é importante deixar claro que, em contraponto com o que era imposto no período colonial, sobre a sexualidade feminina, as mulheres cometiam atos que socialmente não eram bem vistos como o adultério, onde caso o marido a pegasse em pleno ato teria o direito de matá-la, atitude essa que podemos perceber historicamente com o apedrejamento da mulher adúltera, desde os relatos bíblicos, como também no Brasil Colonial. Outro exemplo é que, uma vez impedidas de expressar sua sensualidade, comumente mulheres seduziam umas às outras e assim, tinham relações homossexuais. Araújo (2001), nos relata que não era nitidamente evidente, uma vez que aconteciam entre amigas e vizinhas, o que aos olhos do marido e da sociedade não era percebido, tendo em vista que essas mulheres conviviam socialmente sem levantar suspeitas. Obviamente que a prática homossexual era duramente reprovada, sendo alvo de severas punições, tanto pela sociedade quanto pela Santa Inquisição. A depender da comprovação dos fatos eram “... ameaçadas, repreendidas, sujeitas a penitências espirituais”[13], assim, a repressão não cessava nas mais diferentes esferas da vida das mulheres.

Como vimos, a sexualidade feminina na época colonial manifestava-se sob vários aspectos, sempre esgueirando-se pelos desvãos de uma sociedade misógina e suportando a culpa do pecado a ela atribuído pela Igreja. A mulher podia ser mãe, irmã, filha, religiosa, mas de modo algum amante. O desejo muitas vezes rebentava o grilhão das convenções e das imposições, e aí mesmo, no momento da transgressão, é que o historiador pode aproximar-se do sentimento que, em peças incriminatórias, sobreviveu aos séculos[14].

Trazer como referência o período colonial brasileiro, dentro do aspecto de como as mulheres foram se constituindo dentro do país, resgata uma história das primeiras mulheres em solo brasileiro e como as mesmas viviam, se comportavam, se vestiam, o que nos leva a refletir sobre o quanto disso permanece vivo até os dias atuais, como costumes, crenças, valores misóginos, o patriarcado e o machismo, como também, tornar evidente os avanços conquistados pela união feminina.

Marques[15] nos mostra de forma elucidativa os caminhos traçados até a conquista do voto feminino no Brasil. Em 1881, com a reforma da lei eleitoral, era permitido que todos aqueles que tivessem diploma estavam aptos a votar. Dentro deste cenário, onde as mulheres já haviam conquistado o direito de frequentar instituições de ensino em 1878, enxergava-se de longe a possibilidade de mulheres votarem, uma vez que na reforma não havia nenhuma restrição clara.

Em 1885, foi reivindicado esse direito ao voto por Isabel de Souza Matos, que embora ganhar o processo em 2° Instância, não pôde votar. Foi em 1910 que ocorre um importante marco em direção a garantia do direito ao voto da mulher, quando uma professora do Rio de Janeiro inicia protestos em prol do voto feminino, onde a partir desse movimento foi a criado do primeiro partido político feminino, o Partido Republicano Feminino, onde mesmo que elas ainda não pudessem votar e nem se candidatar, podiam se reunir com o presidente enquanto organização política. Foi apenas 22 anos depois, evidencia Marques (2019), em 1932, que as mulheres conquistam o direito ao voto, no 1º Código Eleitoral Brasileiro.

Outra importante conquista, segundo Rago[16], aponta para a história das mulheres no matrimonio, que em 1962, foi criado o Estatuto da Mulher Casada, onde a mulher não precisaria mais de autorização do marido para trabalhar legalmente, uma vez que as mesmas sempre trabalharam em função da família e dos filhos, e assim poderiam agora ingressar a passos lentos e ainda com muitas lutas, no mercado de trabalho. Em 1977, a Lei do divórcio é aprovada, há uma mudança importante, tendo em vista que anteriormente a mulher não poderia sozinha solicitar o divórcio, a partir desta lei foi possível.

Considerando que cada um desses enfrentamentos implica na sua forma de existir no mundo e em como as mulheres se comportam nos mais distintos contextos. Construindo assim uma história marcada pela busca por identidade e práticas que legitimassem o “ser mulher”. Por conseguinte, a mulher começa a sentir uma liberdade que posteriormente possibilitaria união e força contrariando toda uma cultura machista.

Apenas em 1988 que constitucionalmente, após muitas lutas, reinvindicações e protestos, que a mulher foi considerada, perante a lei, igual ao homem, no contexto de direitos e deveres. E a partir daí Giulani[17] evidencia que as lutas que envolvem o ser mulher e estar no convívio social perpassam para além das questões básicas, mas de um crescente cuidado de si, de conhecimento de seus direitos, de não aceitação dos lugares inferiores que constantemente são colocadas. É importante, assim, perceber que com a garantia de direitos, apenas iniciou-se uma união e uma luta ainda maior. Afinal, ainda há muito a ser conquistado.

3. TRABALHOS APRESENTADOS EM EVENTOS ACADÊMICOS

3.1. Maria de Tiê: história, desafios e conquistas

Este trabalho apresentou um breve histórico sobre Maria de Tiê, uma mulher negra cearense que se destaca como liderança no cenário da cultura popular cearense, no qual conquistou seu espaço de relevância na sociedade e na história do povo cearense. Será relatado um pouco da história desta mulher vitoriosa: Maria Josefa da Conceição, (a Maria de Tiê). Este nome foi evidenciados pela Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) do Estado do Ceará, na culminância do Novembro Negro de 2022 como influência negra em sua respectiva área de atuação. O objetivo deste resumo é refletir sobre a identidade e resistência da mulher negra cearense, a fim de relatar suas conquistas, desafios e vitórias na história e na sociedade cearense. A metodologia utilizada foi uma revisão narrativa de literatura dos estudos e pesquisas sobre a história dela e suas contribuições para se tornar destaque de liderança negra no Ceará. Maria Josefa da Conceição, popularmente chamada de Maria de Tiê, nasceu em Porteiras-CE, se destaca na área da cultura cearense como mulher quilombola que preserva a tradição da dança do Coco, Maneiro Pau e Reisado na Comunidade Quilombola dos Souza, na zona rural do município de Porteiras-CE. Maria de Tiê resisti para manter viva as tradições para as gerações atuais, com o intuito de propagar as tradições e cultura cearense, sendo reconhecida como a imagem da cultura tradicional popular cearense, Maria de Tiê recebeu o título de Notório Saber em Cultura Popular pela Secretaria de Cultura do Ceará. Aprendeu a lutar por seus direitos e o significado de ser uma mulher negra no Quilombo dos Souza, lutando frequentemente pelo bem-estar e reconhecimento do seu povo, levando a alegria e a beleza da cultura popular adiante. Como uma mulher negra sofre muitos preconceitos, uma vez que sofre por ser negra e por ser mulher e mesmo assim se apresenta resistente a todos os desafios de ser uma mulher negra no Ceará e transforma a dor do racismo em músicas, enriquecendo sua arte. Mostrando toda a sua força em fazer a diferença e em ocupar os espaços que necessitam ser ocupados por mulheres e por negras, compreendendo que é necessário um trabalho coletivo para valorizar a representatividade de outras mulheres negras, contribuindo assim para a desconstrução das organizações produzidas pelo racismo e pelo sexismo.

3.2 A constituição do feminismo decolonial: uma análise histórica

Na história do feminismo é possível identificar o foco em uma caracterização de feminino em específico, onde tal indivíduo se constitui como a mulher branca, europeia, de classes abastadas. Tal fato pode ser elucidado ao observar as primeiras reivindicações feministas, como o direito ao trabalho, visto que para as mulheres negras, latino americanas e etc, tal direito já fazia parte de sua história, mesmo que sem o acesso a direitos trabalhistas. Mediante a isso, o objetivo deste trabalho é retomar a história do feminismo, para que se possa observar como se deu a constituição de um feminismo plural. A fim de efetuar tal levantamento, utilizou-se a revisão narrativa da literatura, utilizou-se os bancos de dados: Scientific Electronic Library Online (SciElo) e Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC). Dessa forma, voltemos o olhar para a primeira onda do feminismo, que se deu no início do séc. XIX, o sufragismo formulou greves e manifestações pelo em Londres pelos direitos políticos, sociais e econômicos, entretanto o principal movimento foi o sufrágio. Tal movimento no Brasil sofreu forte influência da luta sufragista dos outros países, pois deu-se através de mulheres que estudaram no exterior, sendo assim, por classes mais abastadas. Mediante a esse pequeno recorte temporal, se pode refletir a respeito da formação e constituição do feminismo, pois apesar da contribuição de tal teoria e prática sobre a sociedade, há a necessidade de problematizar a perspectiva utilizada sobre ser mulher. Retomamos a segunda onda do feminismo, onde se buscou entender como se dá a construção da sexualidade feminina, marcada pela opressão masculina, como também a compreensão da dominação feminina pelo capitalismo e patriarcado, trazendo a necessidade de liberdade para o corpo feminino. Para além disso, questionou-se a luta de classes, pois identificava-se a desigualdade de gêneros à margem de tal questão, sendo necessário aprofundar-se. Através de tais estudos, identificou-se que a mulher na classe burguesa ocupa tal posição apenas quando vinculada à sua família ou marido, enquanto a mulher da classe operária se caracteriza como inferior, a partir disso, se pode compreender como se dá a dominação masculina e assim, o patriarcado. Para além disso, a partir de tal visão conceitual se pode observar as diferenças entre o ser mulher na sociedade capitalista, onde as questões que perpassam uma mulher da classe operária são diferentes da mulher da classe burguesa. Nessa perspectiva, se pode pensar a terceira onda do feminismo como aquela onde observa-se o ser mulher a partir de uma visão interseccional, levando em consideração questões como gênero, raça, sexualidade, classe e geração. Através desse novo olhar, se possibilita a visibilidade à uma diversidade de reivindicações femininas silenciadas anteriormente. Por fim, conclui-se que as lutas feministas buscam a inclusão do ser feminino fora do padrão historicamente construído e vinculado ao feminino da classe média, urbana e acadêmica, através do reconhecimento dos feminismos.

3.3. Um debate sobre o movimento feminista e um diálogo sobre construção de políticas públicas.

O feminismo é um movimento que busca a igualdade de gênero em todas as esferas da sociedade. Ele reconhece que as mulheres historicamente enfrentam discriminação e desigualdade em relação aos homens e procuram eliminar essas disparidades. O problema do encarceramento feminino está relacionado ao feminismo de várias maneiras. A partir disso, tem-se como objetivo deste trabalho promover o debate sobre as questões acerca do movimento feminista e sua luta, com foco na construção de políticas públicas para o enfretamento da questão. A metodologia utilizada é com base na pesquisa narrativa de literatura. Dentre os resultados, identificou-se pertinente o debate sobre as desigualdades no sistema de justiça, principalmente o sistema de justiça criminal que, na grande maioria das vezes, trata as mulheres de forma desigual em comparação com os homens. Sendo as mulheres as mais propensas a serem condenadas por crimes relacionados à pobreza, principalmente se essa mulher for negra. Os principais crimes imputados a essas mulheres são os s crimes relacionados às drogas, devido as situações sociais e econômicas desfavoráveis. O feminismo levanta questões sobre a igualdade no tratamento perante a lei e destaca a necessidade de reformas no sistema de justiça brasileira a fim de construir uma equidade entre homens e mulheres. Outro aspecto fundamental é as discussões sobre os feminismos, o que nos leva a reconhecer a pluralidade desses movimentos, considerando a diversidade de ser e se tornar mulher na realidade contemporânea. Falar sobre feminismo interseccional é compreender que as opressões sofridas pela mulher atravessam diferentes dimensões, onde o gênero é uma delas. Nesse contexto, é preciso ainda considerar as condições socioeconômica, religiosa, étnico-racial, educacional, cultural, dentre outros. Nesse sentido, quando se discute sobre sistema de justiça e políticas públicas ainda se vê um determinado distanciamento das realidades que atravessam as mulheres e as possibilidades de operacionalizar essas proposta interseccional de gênero. Conclui-se que apesar de já termos um avanço histórico de conquista dos direitos da mulheres, ainda temos muito a lutar, principalmente em prol da reforma do sistema de justiça e da efetivação de políticas públicas que considerem as particularidades das vivências de opressões que as mulheres ainda vem experimentando. A Psicologia feminista junto ao Direito podem construir alianças e favorecer a construção de conhecimento interdisciplinares na direção de fortalecer o compromisso com interseccionalidade e a transformação na busca de mais justiça social.

4. APONTAMENTOS SOBRE RESULTADOS DESSA EXPERIÊNCIA

Os resultados podem ser visualizados mediante o compromisso dos alunos com sua presença, uma vez que contamos com mais de vinte alunos participantes de, pelo menos três cursos diferentes. Essa diversidade tem sido muito valiosa para as discussões.

O GE, atualmente, está funcionando semanalmente com atividades diversificadas, tais como estudos individuais e coletivos, metodologias ativas, como peer instruction e sala de aula invertida, rodas de conversas e discussões com convidados e debates dos textos previamente estabelecidos no início do funcionamento do grupo.

No primeiro encontro, fizemos uma dinâmica de apresentação e resgate do feminino na história de cada um, que questionou o lugar da temática e a justificativa da escolha por estar neste grupo de estudo sobre mulheres e feminismos.

Fizemos um acordo com convivência, onde deliberamos uma dupla de participantes para mediar a discussão de um texto por encontro, frente ao compromisso que todos leriam o texto e que a dupla seria responsável por dar o start da discussão e levar materiais complementares, como novos textos, vídeos, dinâmicas, etc. Acordamos também a importância da participação coletiva nas discussões e na construção de trabalho para divulgação do grupo e envolvimento em eventos acadêmicos. Foi mencionado que faríamos o estudo individualizado, posteriormente, o estudo na dupla para somente, em um terceiro momento, levar para o debate no coletivo.

Essa metodologia tem sido enriquecedora para o aprofundamento das temáticas trazidas. Essa primeiro e segundo momento tem sido fundamental para solidificar o conhecimento dos alunos e criar espaços para a busca de materiais complementares e preparatórios para o terceiro momento, que é o debate maior e o estudo mais aprofundado.

Deliberamos também a importância de convidados com experiência na temática. Já realizamos um encontro assim, com uma Psicóloga que levou sua experiência com atendimento à mulheres vítimas de violência e também promoveu um momento vivência com midfulness, um relaxamento que foi essencial para conexão dos alunos consigo e com os outros.

As atividades tem sido basicamente o estudo e discussão de textos, que é o que nos propomos enquanto um grupo de estudo, buscando o aprofundamento da temática sobre mulheres e feminismos e outros assuntos transversais. Dentre as principais referências de estudo podemos mencionar Hooks[18], quando traz a tona a opressão e discriminação das mulheres de diferentes modos, Gonçalez[19] que discute o feminismo afro-latino-americano e Costa[20], que problematiza o feminismo decolonial.

A relação com o ensino, pesquisa e extensão se dá a medida que esse aluno que se aprofunda nessa temática está na sala de aula e apresenta visões transformadoras sobre a realidade social e consegue refletir criticamente sobre o patriarcalismo e os preconceitos de gêneros, bem como consegue estender esses conhecimentos para além dos muros da universidades, em práticas de estágios, pesquisas e extensão universitárias, que extrapolam o grupo de estudo. Trata-se de inovação e responsabilidade social, por ser um tema contemporâneo, necessário e presente nas políticas públicas e um conhecimento cada vez mais demando nos equipamentos sociais, as diversas profissões.

Os indicadores de resultados quantitativos podem ser vistos na adesão crescentes de estudantes ao referido GE. Cada vez mais, essa temática é procurada e fonte de interesse pelos mais diversos cursos. Em paralelo, vemos o envolvimento dos alunos nos eventos e espaços relacionados a temática em estudo, assim como o compromisso com posturas mais críticas e transformadoras da realidade que nos cercam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos dizer que o GE está atraindo o interesse dos acadêmicos de Psicologia e dos demais cursos, assim como da sociedade sobralense de uma forma geral. Isso está se dando à medida que o grupo está criando espaços para promover um aprofundamento científico sobre as realidades das mulheres e a diversidade de gêneros na contemporaneidade, contribuindo com a construção de uma visão crítica sobre a violência e sofrimento vivenciado por esses coletivos.

Assim caminhamos na direção pensar uma Psicologia que se proponha a articular teoria, prática e compromisso social para com as diversas configurações de ser sujeito, dos feminismos e das pluralidades que se desenvolvem na contemporaneidade. Além disso, estamos buscando evidenciar indicadores de produtividade, como a participação em eventos acadêmicos e a produção científica, dos alunos-monitores, dos alunos-participantes e das professoras-orientadoras.

REFERÊNCIAS

Araújo, E. “A arte da sedução: sexualidade feminina da Colônia”. Del Priore, M. Histórias das mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo. 2001. 45-77.

Beauvoir, S. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro. 1960.

Costa, C. L. Feminismo, tradução cultural e a descolonização do saber. Fragmentos: Revista de Língua e Literatura Estrangeiras Vol: 21, num 2 (2010): 45-59.

Del Priore, M. História das Mulheres no Brasil. São Paulo. Contexto. 10. ed. 2018.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil. 3. ed. 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021. Disponible en: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf.

Giulani, P. C. Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. Priore, M. D. (org.) História das Mulheres no Brasil. 10. ed. 6. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2018. 640 - 668.

Gonzalez, L. 2020. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano: Ensaios, Intervenções e Diálogos Rio Janeiro: Zahar. 2020.

Hooks, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. 2017.

Louro, G. L. Mulheres na sala de aula.  Del Priore, M. Histórias das mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo. 2018. 443-481.

Marques, T. C. N. O voto feminino no Brasil. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara. 2019.

Rago, M. Trabalho Feminino e sexualidade.  Priore, M. D. (org.) História das Mulheres no Brasil. 10. ed. 6. reimpressão. São Paulo: Contexto. 2018.

Raminelli, R. Eva Tupinambá.  Del Priore, M. Histórias das mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo. 2018. 11 – 43.

Las opiniones, análisis y conclusiones del autor son de su responsabilidad y no necesariamente reflejan el pensamiento de la Revista Inclusiones.


[1] Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil. 3.ª ed. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021. Disponible en: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf

[2] Del Priore, Mary, ed. História das mulheres no Brasil. 10.ª ed. São Paulo: Contexto, 2018.

[3] Raminelli, Ronaldo. "Eva Tupinambá." En Histórias das mulheres no Brasil, editado por Mary Del Priore, 11-43. 10.ª ed. São Paulo: Contexto, 2018.

[4] Raminelli, R. Eva Tupinambá.  Del Priore, M. Histórias das mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo. 2018. 11 – 43.

[5] Raminelli, "Eva Tupinambá."

[6] Araújo, E. “A arte da sedução: sexualidade feminina da Colônia”. Del Priore, M. Histórias das mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo. 2001. 45-77.

[7] Araújo, "A arte da sedução," 51.

[8] Araújo, "A arte da sedução".

[9] Louro, G. L. Mulheres na sala de aula.  Del Priore, M. Histórias das mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo. 2018. 443-481.

[10] Beauvoir, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960, 9.

[11] Araújo, "A arte da sedução".

[12] Raminelli, "Eva Tupinambá," 11.

[13] Araújo, "A arte da sedução," 67.

[14] Araújo, "A arte da sedução," 73.

[15] Marques, T. C. N. O voto feminino no Brasil. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara. 2019.

[16] Rago, M. Trabalho Feminino e sexualidade.  Priore, M. D. (org.) História das Mulheres no Brasil. 10. ed. 6. reimpressão. São Paulo: Contexto. 2018.

[17] Giulani, P. C. Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. Priore, M. D. (org.) História das Mulheres no Brasil. 10. ed. 6. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2018. 640 - 668.

[18] Hooks, B. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. 2017.

[19] Gonzalez, L. 2020. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano: Ensaios, Intervenções e Diálogos Rio Janeiro: Zahar. 2020.

[20] Costa, C. L. Feminismo, tradução cultural e a descolonização do saber. Fragmentos: Revista de Língua e Literatura Estrangeiras Vol: 21, num 2 (2010): 45-59.