Considerações sobre as contribuições de Paulo Freire: o que Paulo Freire tem a ensinar nos dias de hoje?

Considerations about the contributions of Paulo Freire: what Paulo Freire has to teach nowadays?

Consideraciones sobre las contribuciones de Paulo Freire: ¿Qué tiene Paulo Freire para enseñar en estos días?

Maria Valda Pereira Colares
Universidade do Porto, Portugal
valdacolares@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6611-3444

Fecha de Recepción: 4 de Enero de 2024
Fecha de Aceptación: 13 de Marzo de 2024
Fecha de Publicación: 30 de Marzo de 2024

Financiamiento:
La investigación fue autofinanciada por los autores.

Conflictos de interés:
Los autores declaran no presentar conflicto de interés.

Correspondencia:
Nombres y Apellidos:
Maria Valda Pereira Colares
Correo electrónico: valdacolares@hotmail.com
Dirección postal: Portugal

Resumo
O presente artigo é fruto de uma pesquisa no âmbito do doutorado, de natureza qualitativa, dentro do paradigma fenomenológico interpretativo e, pretende analisar sobre a "Abordagem da Metodologia Freireana na formação inicial dos professores e sua influência na prática docente desses profissionais", no contexto de Pernambuco, designadamente se os modos pedagógicos freireanos, são estudados ou trabalhados no seu processo inicial de formação, nos cursos de Pedagogia e outras licenciaturas? Como estes repercutem na sua ação pedagógica? Para o desenvolvimento do estudo construiu-se entre outros dispositivos, uma entrevista semiestruturada, composta de oito perguntas e quarenta e quatro subrespostas, sendo a análise apresentada sobre cinco respostas.

Palavras-chave: Formação Inicial, Paulo Freire, Prática Docente, Teoria Freireana.

Abstract
This article is the result of a research in the scope of the within the interpretative phenomenological paradigm and intends to reflect on the "Approach of the Freirean Methodology in the initial training of teachers  and its influence on the teaching practice of these professionals", in the context of Pernambuco namely analyze whether Freirean pedagogical modes are studied or worked in the initial process training courses in Pedagogy and other degrees? How these have an impact on your action? For the development of the study was built an online questionnaire, with 40 open and closed questions, with the analysis presented on 86 answers obtained.

Keywords: Freire Methodology, Initial Training, Paulo Freire, Teaching Practice.

Resumen
El presente artículo es fruto de una investigación en el ámbito del doctorado, de naturaleza cualitativa, dentro del paradigma fenomenológico interpretativo y, pretende analizar sobre el "Abordaje de la Metodología Freireana en la formación inicial de los profesores, y su influencia en la práctica docente de estos profesionales", en el contexto de Pernambuco, en particular si, los modos pedagógicos freireanos, son estudiados o trabajados en su proceso inicial de formación, en los cursos de Pedagogía y otras ¿Licenciaturas? ¿Cómo repercuten éstos en su acción pedagógica? Para el desarrollo del estudio se construyó entre otros dispositivos, una entrevista semiestructurada, compuesta de ocho preguntas y cuarenta y cuatro sub respuestas, siendo el análisis presentado sobre cinco respuestas.

Palabras clave: Paulo Freire, Teoría Freireana, Formación Inicial, Práctica Docente.

  1. Introdução

No Brasil continua a ser uma questão central os debates, sobre os desafios da Educação Básica, pública, de como se dá o acesso aos conhecimentos oferecidos pela escola, além da qualidade social dessa Educação, uma vez que a "nossa espécie vive não só no momento presente, mas na história" (BERTHOFF in FREIRE; MACEDO, 2021, p. 16).  O que interessa escrutinar qual é dimensão histórica da Educação que se faz na atualidade, por quem, para quem e por que.

Educar significa desanimalizar o homem em sua instancia primitiva, partir da palavra, do conhecimento, como meios necessários para a construção da própria humanidade. A

grande aposta na EDUCAÇÃO é por conta da capacidade que ela pode ter de CONTRIBUIR PARA A CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE DO SER HUMANO (mulher ou homem, adolescente, jovem, criança ou adulto, agricultor ou agricultora, empregado, trabalhador por conta própria, operário, professor primário ou universitário, etc) (SOUZA, 2007, p.35).

Isso posto, significa dizer que a Educação deve ser pautada no diálogo, não apenas entre os diferentes saberes, mas entre os diferentes sujeitos que constituem a sociedade. Só assim ela faz sentido, se contribuir para humanização de todos. O diálogo, a dialogicidade é uma das categorias axiais da obra freireana, "um projeto pedagógico crítico, mas propositivo e esperançoso em relação a nosso futuro" (ZITKOSKI in STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 139).

A Educação, assim como também, o pensamento freireano "servem como orientação para o processo de formação docente no que se refere à reflexão crítica da teoria e da prática pedagógica" (MEDEIROS, 2012, p 41) continuam seguindo a sua natureza revolucionária e emancipadora, convidando (ou convocando) os trabalhadores e as trabalhadoras, a compreenderem criticamente a sociedade, e a transformá-la incessantemente.

Para a realização desse texto, buscou-se o aporte teórico no pensamento freireano, e de alguns autores cujas concepções e princípios educacionais dialogam com os pressupostos do educador brasileiro.

Sabe-se que "Freire foi um autor e educador marcante no pensamento das Humanidades, no cenário brasileiro, além de sua importância no âmbito internacional" (VAZ in CHACON, 2021, p. 56). A humanização é uma construção permanente dos sujeitos, uma das tarefas fundamentais da Educação, para despertar a consciência crítica. "Toda pedagogia centrada no objetivo de tornar o educando sujeito social e histórico deve caracterizar-se por agudo senso crítico" (BETTO, 2018, p. 125). E esse processo de humanização dos homens e das mulheres é feito cotidianamente, em suas relações pessoais e profissionais, como seres históricos, sociais e culturais, que são/somos.

O presente artigo assenta-se numa pesquisa no âmbito do doutorado, de natureza qualitativa, posto que, os "métodos qualitativos fornecem dados muito significativos" (DUARTE, 2002, p. 151), dentro do paradigma fenomenológico interpretativo e pretende refletir sobre a "Abordagem da Metodologia Freireana na formação inicial dos professores, no contexto de Pernambuco, e sua influência na prática docente desses profissionais", designadamente analisar se os modos pedagógicos freireanos são estudados ou trabalhados no processo inicial de formação, nos cursos de Pedagogia e outras licenciaturas? Como estes repercutem na sua ação pedagógica?

Pretende-se trazer algumas contribuições do pensamento freireano para os dias de hoje, no sentido de compreender os desafios atuais da área da educação. Ao longo do trabalho, procurou-se adotar uma perspectiva crítica, imparcial sobre a construção das narrativas dos docentes, observar, se, e como cada um percebe seu movimento de formador crítico ou não, no que tange a conscientização de cada discente, como agente transformador e co-autor de um modelo social mais justo e equitativo em todos os âmbitos comunitários.

Metodologia

Para o desenvolvimento deste estudo, e para a coleta de dados, foram utilizados métodos mistos, com recurso a um questionário com questões abertas e fechadas e a entrevista. Não obstante, neste artigo se mobilizará apenas a entrevista semiestruturada, composta de oito perguntas e quarenta e quatro subrespostas. Embora seguisse um roteiro previamente elaborado visando aos interesses da pesquisa, amiúde surgiram outras indagações, questionamentos na entrevista, que não constavam no guião, demonstrando o caráter adaptável deste instrumento de pesquisa.

Conduziram-se as entrevistas "tendo por base o guião elaborado, que se pretende que sirva fundamentalmente como um ponto de apoio, sem pretender orientar de forma rígida o desenrolar da narrativa" (MEDINA, 2008, p.71). Neste sentido, convém informar que

todas as entrevistas são transcritas, sem correcção da oralidade, o que não significa estar a assumir que esta transcrição não seja uma tradução do seu conteúdo realizada por quem transcreve. A transcrição é sempre uma tradução, reflecte sempre a interpretação ou o sentido que quem transcreve (idem, p. 73).

Consoante Medina (idem: ibidem), "a realização das entrevistas, pelo conjunto de informações que comportam, constitui-se também numa forma de desenvolvimento e actualização" da temática abordada, por se tratar de uma construção subjetiva. Pois "apesar de o guião orientador ser o mesmo, é possível notar que a forma como as pessoas se prendem mais ou menos a esse guião, a ênfase posta numa ou noutra questão" (idem, p.72).

Sabe-se que quem conduz a narração é o ouvido, isto é, a partir do que escuta o entrevistado, podem surgir novas perguntas, que se conectam ao objetivo da pesquisa. Neste sentido, a partir disso, se "busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação" (ANDRÉ, 2013, p.14). 

Para garantir a integridade dos dados coletados por meio de entrevistas, esta pesquisa adota princípios éticos e metodológicos amplamente reconhecidos. Seguindo as diretrizes propostas por Norman K. Denzin e Yvonna S. Lincoln (2018) em 'The Sage Handbook of Qualitative Research'.

Enfatizou-se a importância de estabelecer um ambiente de confiança com os participantes. A confidencialidade e o anonimato são salvaguardados, assegurando que as respostas dos entrevistados sejam tratadas de maneira confidencial e que seus nomes não sejam vinculados diretamente às declarações.

Todas as perguntas foram pautadas na ética, sem qualquer forma de discriminação ou violação de privacidade. Os participantes compreenderam o propósito da entrevista e concordaram voluntariamente em participar. E apesar da expressa autorização para a divulgação da identidade dos entrevistados, e das escolas em que trabalham, optou-se por manter o sigilo e a confidencialidade dos dados relacionados à identificação dos participantes e das instituições em que ministram aulas.

Pretendeu-se que as perguntas fossem coerentes, consistentes e que fizessem sentido com o objetivo da pesquisa: "Abordagem da Metodologia Freireana na formação inicial dos professores e sua influência na prática docente desses profissionais", oportunizando ainda uma reflexão a todos os envolvidos, tanto ao pesquisador, quanto ao entrevistado. Muito embora, "a preocupação é mesmo a de atribuir ao entrevistado um papel importante na condução da entrevista" (MEDINA, 2008, p. 72).

Fez parte desta interlocução, um conjunto de docentes da Educação Básica, que trabalham na Rede Pública Estadual de Ensino de Pernambuco. Sendo que a análise apresentada versa sobre cinco entrevistas de professores, de duas escolas da Rede Publica Estadual de Pernambuco, lotadas no município de Olinda. As perguntas foram lidas preliminarmente a todos os entrevistados, com a explicação sobre o que se pretendia, e que fariam referências a Paulo Freire, seu modo pedagógico e sua concepção de educação.

Esse trabalho de pesquisa se assenta numa análise e numa construção intersubjetiva e para garantir a validade e confiabilidade dos dados seguiu-se a padronização das perguntas semiestruturadas, para manter a consistência das respostas, na aplicação dos critérios de análise, uniformidade na interpretação dos dados, contribuindo para a riqueza dos dados e sua confiabilidade, além da validação, e revisão da professora orientadora. E assim fortalecer a robustez e a profundidade da pesquisa.

A escolha dos docentes da escola pública como público-alvo nessa pesquisa se faz relevante porque é necessário falar sobre a importância dessa oferta educativa. Ademais é uma rede democrática, onde a maioria dos estudantes são filhos da classe trabalhadora (com menor renda salarial) oriundos de bairros populares e comunidades com pouca, ou nenhuma estrutura básica.

. Os participantes foram encorajados a compartilhar suas experiências, desafios e percepções, contribuindo ativamente para a co-construção do conhecimento como intento de perceber se os docentes compreendiam as dimensões de Paulo Freire, a teoria Freireana e os modos pedagógicos freireanos.

Para capturar as nuances da experiência dos professores da escola pública, adotamos uma metodologia de pesquisa qualitativa centrada em entrevistas. Inspirados nos princípios da pedagogia de Paulo Freire, as entrevistas foram concebidas como espaços de diálogo aberto e reflexão colaborativa.

O fato desta investigadora, ser professora em uma das Escolas participantes dessa pesquisa, propiciou criar um ambiente de confiança e estabelecer uma atmosfera acolhedora e empática. Houve um esclarecimento do propósito da entrevista e a todos os professores, e o consentimento informado. Respeitando-se critérios éticos e foi conduzida com respeito e transparência.

        Ao contar sobre a sua vivencia em sala de aula, depois de expor seu cotidiano docente, o professor para além de se escutar, também conta sua história e "contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo" (BENJAMIN, 1987, p. 205), reconhecer-se também como produtor de histórias, de vivências. E sobre a vida escolar os professores têm muito a dizer. Consoante Casali (2008, p. 28), ao recuperar a ética de vida freireana, “a vida é para ser vivida, em abundância. A vida é para ser dita: e no dizê-la, compreendê-la; e no compreendê-la e expandi-la em suas infinitas possibilidades”.

Percebia-se no depoimento dos professores entrevistados, "o dito, o não dito e o resto" (VIDAL, 2008)[1], como se somente a partir dali daquele instante, com aquela entrevista, pela primeira vez compreendessem o que é "a incorporação do conceito de cultura escolar para lidar com saberes e fazeres produzidos na escola" (VIDAL, 2000, p.239)[2], afora as aulas em sala de aula, e o preenchimento do diário de classe, nomeadamente o Sistema de Informações da Educação de Pernambuco (SIEPE)[3].  

Quadro 1: Guião Entrevista Semiestruturada elaborado  pelas  autoras

Perguntas

Sub-perguntas

1) Trajetória pessoal

a) Nome, infância, adolescência, maturidade;        

 b) Contexto familiar e social (nasceu e se desenvolveu)

2) Atividades atuais

a) Profissionais (professor de?);                            

 b) Há quanto tempo atua como professor;              

 c) Gosta de ser professor?                                      

 d) Por quê?

3) Considerações sobre as contribuições de Paulo Freire

a) Qual a primeira obra de Paulo Freire que conheceu;                                                                 b) É importante conhecer as obras de Paulo Freire?

c) Por quê?                                                              

d) Influências recebidas pela Metodologia de Paulo Freire?                                                                      

c) Influências recebidas pela Metodologia de Paulo Freire aplicada em Sala de Aula

4) Sobre a politização na obra de Paulo Freire

a) Acha que Paulo Freire é uma ameaça?                  

b) A quem?                                                              

c) Por quê?                                                              

d) O que esses discursos agredindo Paulo Feire revelam?                                                                    e) Você acha que a metodologia de Paulo Freire é doutrinadora                                                            

f) Por quê?

5) Sobre a Experiência em Angicos

a) Você conhece a experiência realizada por Paulo Freire no município de Angicos?                            

b) O que você acha sobre essa experiência?            

c) Por quê?

6) Atualidade de Paulo Freire

a) Você acha que Paulo Freire tem algo importante a ensinar nos dias de hoje?                                          

b) Por quê?

7) Sobre prática docente

a) Para você o que é uma prática docente conservadora?                                                             b) Por quê?                                                                

c) Para você o que é uma prática docente progressista?                                                             d) Por quê?                                                                  

 e) Para você o que é rigorosidade metódica?            

 f) Por quê?                                                              

 g) Você utiliza a Pedagogia da Pergunta com os seus alunos?                                                                    

 h) Por quê?                                                              

 i) Você utiliza a Pedagogia da Escuta com os seus alunos?                                                                      

j) Por quê?                                                                

k) Como você desenvolve a curiosidade do educando?                                                                  l) Para quê?                                                            

 m) Para você o que significa pensar certo na prática docente?                                                                  

 n) Por quê?                                                              

 o) Como você avalia o que é o trabalho do professor?                                                                 p) Por quê?

8) Sobre a Educação

a) Para você o que significa aprender?                      

b) Por quê?                                                                

c) Para você o que significa ensinar?                          

 d) Por quê?                                                              

 e) Para você a educação é uma forma de intervenção no mundo?                                                                

 f) Por quê?

O quadro acima descreve a entrevista, destacando as perguntas e as subperguntas. Ao trazer a trajetória pessoal dos professores, no rol desses questionamentos, dá-se ao fato de compreender que "a educação está estreitamente conectada com a vida das pessoas" (RIBEIRO in FREIRE, 2021, p. 387).

Existem muitos significados nessa reconstrução de memórias dos professores entrevistados, que ao recuperá-las contribuem com "a apresentação de novas versões da" (MEDINA, 2008, p. 66), sua própria história de vida e ainda a de perceber "perspectivas mais abrangentes, dando a vez e a voz ao seu protagonismo e a sua narrativa" (idem: ibidem), como ressonância de que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possiblidades para a sua própria produção ou a sua construção" (FREIRE, 2021, p.47), em diferentes momentos.

Dentre o conjunto de perguntas, para a análise das respostas dos professores entrevistados decidiu-se trabalha sobre a "Atualidade de Paulo Freire", com as duas subrespostas: "Você acha que Paulo Freire tem algo importante a ensinar nos dias de hoje?" "Por que"? Na perspectiva de perceber como e se os docentes dimensionam (se dimensionam) a pertinência de Paulo Freire em sua própria formação e qual relevância do pedagogo para a educação na atualidade.

Ah, com certeza eu acho que eu bato muito nessa tecla dele inspirar a questão da reflexão da autonomia das pessoas, dos estudantes, enfim dos que conhecem a pedagogia dele. De você buscar o conhecimento, de você não fica assim fechado, entendeu? Será que to conseguindo colocar em palavras? 

Então, eu acho que assim é uma coisa para toda a vida em diversos âmbitos e não só na educação, entende? Eu acho que é você ter uma visão lúdica mesmo o tempo todo, eu acho que a educação ela atua como meio de intervir em muitas áreas, não é só na questão cultural, política, humana né? A gente tem que ver de forma global mesmo, entendeu? (Professor 01).

Sim em relação ao pensamento porque isso faz medo né? A pessoa pensar e colocar esse pensamento em prática. É como se diz... Todo... Agora me lembrei todo ato ele é político né?  Eu me lembrei até da camiseta dele, da bolsa que vem né na golpe store né? Tem, todo ato é político, então quando você pensa e põe esse pensamento em prática é você saber que o seu ato tem uma consequência, então isso faz medo para os considerados poderosos.

Em relação a amorosidade sim, em relação a que o aluno seja um ser libertador, um ser que cria que não fica justamente só nessa parte da decoreba e você achar que ler um texto e você achar que “ah, essas são as palavras do autor” sim, mas e as suas palavras? O que é que você acha daquele texto? Você concorda com as palavras do autor. Essa amorosidade também se diz respeito ao, ao próprio respeito né? (Professor 02).

Justamente é a partir do aprender, aprender né? A partir do momento que eu estou ensinando os estudantes eu também aprendo com eles porque cada um tem uma história de vida e aí compartilhando esse conhecimento fica melhor do professor e a turma interagir em sala de aula.

É sim, porque a sua obra os seus ensinamentos perpetuam ainda na atualidade, no nosso dia a dia, a forma de se trabalhar em sala de aula. A metodologia que o professor usa com os alunos.

Paulo Freire é uma ameaça para as pessoas que tem a sua mente fechada que tem medo do descobrir, do despertar. Então pra essas pessoas Paulo Freire, sim, é uma ameaça. Mas para  professores que estão em busca de novas descobertas e de aprender ele não é uma ameaça, ele é um aliado. (Professor 03).

Paulo Freire é sempre atual. Né? Paulo Freire era um homem além do tempo dele. E aí, isso tudo, isso que eu falei até agora de Paulo Freire é importante, claro, ter trabalhado hoje, né? É o aprender a partir daquilo que eles vivem. Então isso eu acho que a gente tem que perpassar o tempo. A obra de Paulo Freire, não é ultrapassada de jeito nenhum. Ela está cada vez mais atualizada. Cada vez mais. (Professor 04).

E assim, eu acredito que essa perseguição a Freire é justamente um projeto de governo realmente de impedir que as camadas populares tenham acesso ao conhecimento. Então, quanto mais dificultar o acesso ao conhecimento, quanto mais tornar a escola desinteressante e desigual. Para esse projeto, esse desmonte da educação e de projeto de governo. Acho que é isso que eles querem.  (Professor 05).

São muitos os desafios na área da educação, entretanto os docentes relevaram a importância, a significação e a atualização do pensamento de Paulo Freire, como contributo inescusável para o debate e a busca de soluções para esses problemas.

Que apesar de complexo, é possível encontrar respostas satisfatórias. Além de compreender a força da Educação, que "nunca foi neutra, mas que ela será sempre uma ferramenta de libertação" (LULA DA SILVA in FREIRE, 2021, p. 278). Não se pode negar o caráter humanista/humanizador/humanizante da pedagogia freireana, que se referia à existência humana como "uma sempre interminável tarefa de construção de si" (CHACON, 2021: 107).

Análise dos dados

 Pretendeu-se com a análise, perscrutar, “desvendar o conteúdo latente” (TRIVIÑOS, 1987, p. 162), das respostas dos docentes.  Diante disso, pretendeu-se referendar o legado freireano e suas contribuições para a educação na contemporaneidade.  

No que diz respeito aos dados obtidos a partir da entrevista semiestruturada, os educadores evidenciaram alguns conceitos freireanos. É um esforço para retrata o que e como ele se percebe a Educação como uma prática social, enquanto formador e mediador do conhecimento. Paulo Freire enfatizava a importância da conscientização, participação ativa e transformação social desde a educação, isto é, "a transformação da educação não pode antecipar-se à transformação da sociedade, mas esta transformação necessita da educação” (1991, p. 84).

Apesar do risco da imperfeição e de se deixar de fora aspectos importantes das respostas dadas pelos professores, a interpretação dos dados é um modo de definir e evidenciar (por parte do pesquisador), onde estão ancorados os pressupostos relacionados aos modos pedagógicos e à experiência docente, de cada professor num determinado período, no espaço escolar.

Com base nas respostas do conjunto de professores que fizeram parte da pesquisa, e fundamentada nos objetivos da investigação em curso, tomando como premissas as contribuições teórico-filosófico-pedagógicas freireanas para a Educação brasileira, segundo a percepção dos docentes entrevistados, a análise dos dados aponta para algumas dimensões, dentre elas destacamos: Amorosidade, Ato político, Autonomia, Conhecimento, Cultura, Reflexão..

A dimensão Amorosidade está na centralidade dos escritos freireanos, que "percorre toda a sua obra e sua vida e se materializa no afeto como compromisso com o outro" (FERNANDES in STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 39). Trespassa a construção intelectual de Paulo Freire, está na constituição do se humano, no quefazer docente, de acordo com o educador, a "afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade" (FREIRE, 2021, p. 138).

E vai além, que "é digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular, e desenvolver em nós o gosto de querer bem e o gosto da alegria, sem a qual a própria prática educativa perde o sentido" (idem: ibidem).  A prática educativa não coaduna sem o querer bem, sem a amorosidade entre os sujeitos da comunidade escolar, inclusive, "a seriedade docente e afetividade" (idem: ibidem), são facetas  da práxis educativa, elas não se excluem, antes, pelo contrário, "ensinar exige querer bem aos educandos" (idem: ibidem).

A amorosidade é também outro tipo de saber necessário, a prática educativa é um sentimento que permeia a humanidade, ademais está presente nas relações sócio profissionais. O distanciamento do docente com relação ao discente, não é certificação de autoridade, ou de competência. A amorosidade é a ligação respeitosa das gentes, é ainda um compromisso ético com a vida.

É uma senda aberta para o humanismo, um caminho através do qual o ser humano se constitui pessoa humana, sempre em busca do (auto) desenvolvimento, no encalço permanente da sua humanização. Pois é na convivência com os outros, com as outras, que se "instaura o mundo em que se humaniza, humanizando-o" (FIORI in FREIRE, 2022, p.17), é na coexistência entre todos, com todos, que se faz a comunhão humana.

 

Na concepção freireana de Educação, a Amorosidade é uma dimensão que não se alija do processo de ensino/aprendizagem, uma vez que não se trata de uma "experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos" (idem, p. 142). De acordo com Gadotti (2008, p. 63) é "no coletivo que se aprende. Eu dialogo com a realidade, com autores, com meus pares, com a diferença", Amorosidade na prática, fortalecendo vínculos, vivenciada no fazer docente, na valorização dos sujeitos dodiscentes, deixando fluir as emoções e os sentimentos de esperançamento.

Segundo os professores entrevistados, "muitas vezes o afeto que os alunos recebem, vem do próprio educador", considerando o perfil dos estudantes da rede pública de ensino, que são maioria deles.

Os professores compreendem que Amorosidade é uma condição de respeito ao próprio ser, que é um potente coadjuvante da aprendizagem. Existe um ganho subjacente na troca de afeto dodiscente, além de tornar o ambiente escolar pacífico, sobretudo nesses últimos quatro anos, quando um clima beligerante se instalou nas escolas brasileiras, com violentos ataques a comunidade escolar, e muitas vezes resultando em vítimas fatais. Embora, para muitos estudantes nacionais, a escola continua sendo um lugar onde eles se sentem seguros.

O que ratifica o significado da Amorosidade na perspectiva freireana, "é vida, vida com pessoas, é qualidade que se torna substanciada ao longo de sua obra e de sua vida" (FERNANDES in STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 39), sendo a Amorosidade, calcada no diálogo. Mesmo que o ambiente da sala de aula tenha suas tensões e complexidades, existe um laço de afeto que movimenta a dinâmica própria desse espaço de conhecimento.

Assim como a Educação, a Amorosidade é uma forma de resistência, como também é um Ato político.  

A Educação como Ato político é um dos conceitos mais significativo e está presente em todo o pensamento freireano, que dizia ter a Educação uma natureza política. É possível apreciar o entendimento dos professores, sobre a educação, como sendo um ato político, porque a Educação faz pensar, assim, "a educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador. Ela é política" (FREIRE, 2021, p. 108), porque a partir dela, se desenvolve a capacidade cognitiva de que a intervenção no mundo é possível, cumprindo uma das suas essencialidades: "a educação para a justiça social", segundo Torres (in TORRES;  GUTIÉRREZ; ROMÃO et al, 2008, p. 27).

A "justiça social revivida como um elemento sério da política cultural" (GIROUX, 2000, p.8). Ou seja, à revitalização da justiça social como um componente significativo na política cultural, destacando a importância de abordar questões de equidade e igualdade na sociedade.

Nenhuma intenção ou ação no mundo, e destituída de valores, não seria diferente com a Educação. Segundo Freire (s/d)[4] "não há prática educativa indiferente a valores". Trata-se de uma ação cultural, humana, e principia na liberdade, na união das pessoas, homens e mulheres para que comunitariamente refaçam o mundo, se refaçam, se tornem mais humanos. Freire concebia a "educação ao mesmo tempo como ato político, como ato de conhecimento e como ato criador"(GADOTTI, 1996, p. 26).

Ao questionar que tipo de mundo ou sociedade se está inserido, porque determinadas circunstâncias são como são, ou o que e como fazer para transformar, através do processo de ensino/aprendizagem aquilo que já é conhecido ou pode vir a ser conhecido, desde a perspectiva cognoscente, é assumir que a Educação como sendo um Ato político, não deve ser submetida à cultura do silencio, a serviço da classe dominante para oprimir os trabalhadores. Porque "não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2022, p. 108), no diálogo, de forma crítica e libertadora. Educação e diálogo como "maneiras novas e libertadoras de pensar sobre a realidade social", consoante hooks (2017, p. 65).

Ato político, porque Educação é um dispositivo que mobiliza o conhecimento, é símbolo de resistência. Trata-se "da construção de uma identidade na resistência", segundo hooks (idem, p. 66) e que possibilita aos homens e às mulheres a se tornarem livres, autores da própria história e cooperando na construção de outros mundos, mais equitativos, justos e felizes.  Onde a liberdade seja universal, que faculte a todos o direito de "criar e construir, para admirar e aventurar-se" (FREIRE, 2022, p. 76), nessa outra realidade, descativando-os dessa condição de opressão imposta por outrem.

Em razão de ser da natureza opressora, o hábito de manipular a "mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime" (FREIRE, 2022, p. 84), a intencionalidade é a de coisificação, de domesticação, de controle e de introjetar o conformismo nos homens e nas mulheres oprimidas. A essência do opressor é ter "controle esmagador" sobre os trabalhadores, que vivem em situação de opressão, sua cepa é "necrófila. Nutre-se do amor a morte e não do amor à vida" (idem, p. 90) por isso temem a libertação dos oprimidos.

Neste sentido, o processo de ensino/aprendizagem, postulados desde os contextos sociais dos sujeitos envolvidos na educação, refletido a partir da consciência crítica, dos educadores e educandos, desempenha um papel preponderante para o não imobilismo dos homens e mulheres, diante de um tempo que exige o protagonismo de cada um e de todos, alicerçados pela liberdade de ser e "ter um compromisso central com a realidade (social, cultural, histórica e política)", (STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 19), em busca de uma existência digna e pacífica, realizando o "inédito viável", concorde Freire (2008, p. 11). Sem recusar a natureza política da educação, e seu biossistema. Em virtude da impossibilidade de "negar a natureza política do processo educativo, quanto negar o caráter educativo do ato político" (FREIRE, 2001, p. 23), ratificando a não neutralidade da Educação.

Acredita-se em novas formas de opressão, que essas tenham se transmutado, e persistem em querer silenciar e explorar a classe trabalhadora, haja vista a enormidade de denúncias, e desmantelo de situações vividas em diversas regiões do Brasil, onde mitos trabalhadores são submetidos às piores condições de laboração, em situações análogas a escravidão. Além da expressiva população mais fragilizada, resultado de políticas que desprezam a vida e os trabalhadores economicamente desfavorecidos, deixando-os desassistidos em seus direitos sociais e sem o bem estar coletivo, em busca da sua Autonomia.

Quanto a "Autonomia", Que é preciso respeitar a autonomia de cada estudante, isso "é um imperativo ético" (FREIRE, 2022, p. 58). A educação leva consciência crítica, que proporciona a Autonomia, que por sua vez dá meios aos homens e as mulheres condições de intervenção no contexto. A autonomia é uma das dimensões primordiais na obra de Freire.

É a partir da Autonomia que se apreende a realidade e se pavimenta o caminho para a humanização e para a liberdade, promovendo no educando a capacidade de fazer uso da razão em suas tomadas de decisões. O desenvolvimento da Autonomia propicia ainda, a segurança argumentativa dos estudantes, uma vez que não há possibilidade de trabalho docente sem o discente. O professor não trabalha para si, o exercício da docência pressupõe a presença do formando. Ambos em situação de aprendizagem e de recognição, saberes que se constroem em contexto.

A Autonomia é antes de tudo a consciência de que se é cidadão e, que se pode ser/é co-autor das mudanças histórico-sociais e culturais, participando ativamente da construção de mundo, isto é, aprender, apreender para transformar a realidade,  "deixar de ser objeto e passar a ser sujeito" (hooks, 2017, p. 75). Assim dizendo, a “presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História” (FREIRE, 2022, p. 53).

Educar para a Autonomia, é tornar o educando senhor e sujeito soberano das próprias decisões, rejeitando a condição de submissão, de coisa que produz, de força-motriz do capitalismo que esmaga o humano, destrói os sonhos e suga a coragem, libertando-o dos grilhões da subalternidade em todas às suas dimensões, respeitando-o em sua dignidade, identidade e crenças, desenvolvendo as habilidades, orientar para conhecer e reivindicar direitos, como uma prática cidadã.

A Autonomia é resultante de um processo e que vai sendo construída, a partir da vivência, e ao longo de toda a existência, uma decorrência do "amadurecimento do ser para si, é um processo, é o vir a ser" (FREIRE, 2000, p. 121). É dar espaço e voz aos silenciados do mundo, construindo modos que possibilitem aos estudantes um "meio de afirmar a sua voz" (hooks, 2017, p. 114), como direito inalienável e pedagógico que "afirmem a presença deles, seu direito de falar" (idem, ibidem).

Na obra, "Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a pratica educativa", Paulo Freire reflete o significado, a importância e o interior desse conceito, o quanto compreendê-lo é a aceitação do humano que existe em cada ser, que a Autonomia, é um potente caminho para a humanização. Para além de promover considerações pertinentes e fundamentais para a formação docente.

Neste significativo livro, o filósofo e educador brasileiro enumera alguns requisitos, que ele considera como pontos fundamentais, para serem adotados por um/a professor/a progressista no processo de ensino e aprendizagem, e dessa forma promover a reflexão visando a transformação tão almejada, tendo a educação como projeto e ferramenta de inclusão social.

Consoante Freire (2021), os princípios pedagógicos que norteiam o quefazer de um/a professor/a progressista, são:

1. Ensinar exige rigorosidade metódica; 2.Ensinar exige pesquisa; 3. Ensinar exige respeito aos saberes do educando; 4. Ensinar exige criticidade; 5. Ensinar exige estética e ética; 6. Ensinar exige a corporificação da palavra pelo exemplo; 7. Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação; 8. Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática; 9. Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural; 10. Ensinar não é transferir conhecimento; 11. Ensinar exige consciência do inacabamento; 12. Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado; 13. Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando; 14. Ensinar exige bom senso; 15. Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores; 16. Ensinar exige apreensão da realidade; 17. Ensinar exige alegria e esperança; 18. Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível; 19. Ensinar exige curiosidade; 20. Ensinar é uma especificidade humana; 21. Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade; 22. Ensinar exige comprometimento; 23. Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo; 24. Ensinar exige liberdade e autoridade; 25. Ensinar exige tomada consciente de decisões; 26. Ensinar exige saber escutar; 27. Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica; 28. Ensinar exige disponibilidade para o diálogo; 29. Ensinar exige querer bem aos educandos.

        

Existe um processo permanente de ensino e aprendizagem, que deve ser considerado na experiência docente, e que ela só faz sentido com a presença discente, e é nesta relação dodiscente que se promove a capacidade crítica e a curiosidade do educando. É neste encontro que se fortalece o respeito à Autonomia, como também a dignidade do educando, desenvolvendo um ambiente ético (e também estético, seguro), de confiança discente, onde se exercite a Pedagogia da Pergunta, ocasião em que os discentes possam problematizar os temas que são apresentados em sala de aula, numa aprendizagem dialética, ampliando o interesse sobre todos os aspectos.

Existe uma complexidade e um dinamismo orgânico que acontece a revelia do humano. O mundo muda o tempo todo, as mudanças fazem parte do processo natural da vida.  Daí demanda novas necessidades, exigindo das escolas, as bases educativas para novas abordagens e promoção da aprendizagem ao longo da vida, além de outras competências. Corroborando o pensamento freireano de que assim como a sociedade, o mundo "o mundo não é, ele está sendo" (Freire, 2021, p. 74)

A nova ordem mundial exige dos trabalhadores e trabalhadoras, aprender a aprender constantemente, porque esse processo nunca está acabado. "O homem como ser inconcluso, consciente de sua inconclusão" conforme Freire (2022, p. 101), e Delors (1998, p. 89-92), "o processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado e pode enriquecer-se com qualquer experiência".

Conforme Relatório Educação: um tesouro a descobrir, apresentado a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Relevando os quatro principais pilares da Educação para o século XXI:

Nesse processo de recognição, abrem-se novas possibilidades, mais pesquisas, contribuindo para a construção de outros saberes, e outros conhecimentos dodiscentes.Considerando seus saberes e experiências contextuais, ao compreender esse novo conjunto de informações, adotar nas diversas situações em sua vida cotidiana, como proposta de transformação, pressupõe-se uma condição de Autonomia e posicionamento ativo de que houve o Conhecimento.

No que se refere ao "Conhecimento", nota-se a amplitude trazida pelas respostas dos professores, posto que conhecer atravessa toda a vida humana. Dentre os seis direitos sociais, fundamentais, garantidos pela Constituição Federal Brasileira, conhecida como Constituição Cidadã, de 1988, está o direito à educação (além da alimentação, segurança, trabalho, moradia e saúde). Sendo o Conhecimento parte integrante e integrada da Educação, perfazendo um conjunto indispensável aliado cidadania, a política, aos direitos humanos, e a dignidade, como uma construção histórico-político-social.

Para o exercício pleno da cidadania, é imprescindível ter a consciência de que se vive em comunidade, em um contexto de direitos e deveres. E para a implantação do bem-comum, da justiça social, do respeito e da equidade, é natural que se percorra o caminho da Educação, como peça chave para os Conhecimentos, dentro desse conjunto de práticas sociais. 

Pode-se falar em conhecimentos, porque a "vida escolar não é concebida como um sistema unitário, monolítico e rígido" (FREIRE, 2021, p. 60), tem um dinamismo do qual não se pode fugir ou impedir sua existência, e a revelia dos componentes curriculares, com todas as suas dimensões e inclusões. Considerando "tudo o que se faz na escola. Significa caminho, percurso, viagem, processo. Currículo é espaço de conhecimentos e de relações" (GADOTTI, 2008, p. 71).

É sabido que nas escolas se estabelecem relações de afeto, sociais e humanas para além do Conhecimento sistematizado. Sendo este trazido pelo currículo, um importante marco de saberes e de ideologias. Como é ainda espaço conflitante e "implica decisões, opções e relações de poder" (idem, ibidem). Assim, nenhum acontecimento ocorrido no âmbito escolar, está dissociado do currículo.

Nesta lógica, novas situações se interpõem cotidianamente, existe uma simbiose, visível e invisível entre seres humanos e o mundo, onde o Conhecimento é mediado pelo mundo com toda a exuberância, vicissitudes e deliberações. Inclusive tudo que se vive e se aprende no espaço escolar, é também currículo.

A educação sistematizada é orgânica, viva e ela acontece em um espaço cultural em que é da sua natureza produzir, reproduzir, construir experiências, repletas de subjetividades e com múltiplos sujeitos, seja na escola pública, seja na escola privada.

Existe uma miríade de situações e sentimentos de variados graus, de diferentes dificuldades e expectativas, inclusive de contestação e resistências. Perpassa a ação pedagógica, porque educandos e educadores estão diante de mundos que invariavelmente viverão situações de mudanças e transformações, numa proposta educativa integradora.

Porque a cada momento, a própria sociedade, as politicas públicas e educacionais frente aos desafios, são dinâmicas e orgânicas, demandam outras reflexões sobre a prática e a práxis pedagógica, para atender ao seu tempo e necessidades.

Existem dimensões do conhecimento que não constam nos livros didáticos, tampouco nas propostas curriculares. Para mais do que os conteúdos, existem as relações de afeto, a solidariedade, a cumplicidade, as aproximações e identificações entre os pares, e destes com os professores. Nesse contexto, docentes e discentes numa relação dialética é o tempo todo modificado, num processo de "inconclusão próprio da experiência vital" (FREIRE, 2021, p. 60), porque o inacabamento é uma condição explícita da vida.

O Conhecimento é tão vasto, que a todo instante tudo se renova, tornando o novo cotidianamente em versões ultrapassadas quase que instantaneamente. Condicionando professores e alunos, as pessoas em geral, a estarem sempre se atualizando e atualizando seu conhecimento.  Sobretudo, nesse momento histórico, notadamente nos últimos cem anos, em que o ser humano fez descobertas e avançou tecnicamente, mais do que todo o período da existência humana.

Nesta perspectiva, o educador brasileiro como arguto observador do seu tempo e grande intelectual, já se posicionava quanto às tecnologias contemporâneas, e dizia que não via "na tecnologia a razão dos males do homem moderno" (FREIRE, 2021, p.28), ora sabe-se que o uso indiscriminado e sem a devida reflexão e objetivo, do que quer que seja, traz suas consequências. Não seria diferente com a tecnologia. Porque não há discrepâncias entre o humanismo e o uso da tecnologia, trata-se de mais uma ferramenta indispensável para a aquisição do conhecimento.

Por este ponto de vista, o intelectual pernambucano ratificava que não se pode "prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para melhor luar por esta causa" (idem: ibidem), no caso a humanização, a libertação e o conhecimento. Para Gadotti (2007 p. 27), "a teoria do conhecimento de Paulo Freire continua muito atual". Independentemente do arco temporal, uma vez que a cada leitura, a cada trabalho de pesquisa sobre Freire, ele é atualizado.

É incontornável que a presença de Freire na Educação, e a sua contribuição nesta área do saber, não apenas é de suma importância, mas há muito que ultrapassou o Sistema de Alfabetização de Adultos, seu "Método" situa-se no âmbito da "teoria do conhecimento e de uma filosofia da educação" (GADOTTI, 1996, p. 22). Conhecimento que respeita todos os saberes e gera outros conhecimentos, que amplia esses saberes de como fazer, e que nunca será neutro, assim como a Educação, a Cultura também é um fazer político.

Existe uma relação intrínseca entre a Educação, a Alfabetização, "o econômico, o cultural, o político e o pedagógico" (FREIRE, 2021, p. 84). Trata-se de um conjunto de "expressões culturais" (idem: ibidem), que foram atravessando o tempo, e sendo por ele, também atravessados. Não é possível compreender a Educação fora da Cultura, "porque a educação é, por si mesma, uma dimensão da cultura" (idem: ibidem).

A dimensão da Cultura é um dos principais pontos de interlocução propostos por Freire para a Educação e a Alfabetização, em geral, e a de Adultos em particular, tendo como aporte o contexto social e político. O que demonstra cada vez mais a contemporaneidade de Freire e a necessidade do debate em torno das suas contribuições.

A Cultura em geral, e a popular em particular "são expressões culturais" (FREIRE, 2021, p. 89), de uma sociedade e é uma potente ferramenta de conscientização, para a transformação das pessoas, sejam os trabalhadores, sejam os estudantes. Ao dizer o mundo e designar o nome das coisas, o homem está fazendo cultura, "como resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador". (FREIRE, 2003, p. 116).

Segundo Silva (2010, p. 139), "todo conhecimento, na medida em que se constitui num sistema de significação, é cultural", para esse autor, "tal como a educação, as outras instancias culturais também são pedagógicas" (idem, ibidem). Em outras palavras, assim como a educação, outras instâncias culturais também desempenham um papel educativo ou formativo na sociedade. Isso inclui influências da cultura, mídia, família e diversos contextos que contribuem para a construção do conhecimento e valores das pessoas.

A cultura molda e é moldada pelos os atos políticos. A política influencia normas, valores e expressões culturais, enquanto a cultura, por sua vez, pode influenciar a agenda política e as decisões. Eles estão interligados, refletindo e impactando a sociedade de maneiras profundas. Assim como os atos políticos. Nesta perspectiva, a "educação como uma forma de trabalho cultural se estende muito além da sala de aula, e sua influência pedagógica, embora muitas vezes imperceptível" (GIROUX, 2023, p. 126).  

Isso sugere que a educação, como um trabalho cultural, vai além das salas de aula tradicionais. Sua influência pedagógica muitas vezes permeia aspectos da vida diária de maneira que nem sempre são facilmente percebidas, contribuindo para a formação de valores e conhecimentos fora do ambiente escolar.

Dentre os modos pedagógicos freireanos, destaca-se os Círculos de Cultura, a despeito de terem sido desenvolvidos nas vivencias da alfabetização de adultos, buscando legitimar os diferentes saberes empíricos. Não implica dizer que não possa se adequar as maias variadas modalidades de ensino, ao utilizar os Círculos de Cultura, como método de ensino, numa prática libertadora, propiciando aos educandos uma liberdade criativa e construtiva de outra realidade sociocultural. Se configurando em uma "pedagogia humanizadora", concorde Freire (2022, p. 77), considerando de maneira inequívoca a identidade cultural dos discentes.

A sociedade é o tempo todo trespassada por dimensões históricas, políticas, culturais e sociais, tanto influencia, quanto é influenciada, essa dicotomia reflete na formação e na maneira como os homens e as mulheres se posicionarem contextualmente, "em suas relações com o mundo" (FREIRE, 2022, p. 98), mediados pela Cultura. Que é tudo que o ser humano cria, em toda a extensão e etimologia da palavra.

Em sua passagem pelo Chile, em um dos encontros no Círculo de Cultura, um camponês para explicar seu entendimento de conceito de Cultura, disse que "não há mundo sem homem" (idem: ibidem), isto é, sem consciência de mundo, o homem não percebe o mundo.

O respeito às Culturas, o reconhecimento da existência dos múltiplos saberes e a compreensão de que pela Cultura os trabalhadores e as trabalhadoras se humanizam, e se educam entre si, faz parte da proposta epistemológica freireana, desde os primórdios da sua teoria filosófico-educacional, quando Freire anda era Diretor do Departamento de Educação do SESI (Serviço Social da Indústria), no final dos anos 1940, começo de 1950, aquando das reuniões com os pais dos alunos, nessa instituição.

Uma forma revolucionária de fazer reunião de pais e mestres foi inaugurada. Ao perceber a importância de maior envolvimento dos pais nas reuniões, as quais Freire nominava de Círculos de Cultura. Foi então a partir da intervenção de um pai, alegando não entender muito bem o que se havia debatido, apesar das "palavras bonitas", ditas naquele encontro, que os temas das reuniões passaram a ser previamente escolhido pelo corpo docente e outros membros do departamento de Educação do SESI.

E a posteriori considerando a pertinência do assunto, também era discutidas com os estudantes, "aspectos mais acessíveis da temática de seus seminários, a mesma a ser discutida com seus pais” (FREIRE, 2013, p. 149), e só então definida. Num claro exemplo de respeito aos múltiplos saberes da comunidade escolar, o que ascendeu sobremaneira, a participação de todos nos Círculos de Cultura.

Que continuaram no MCP (Movimento de Cultura Popular), no começo da década de 1960 até 1964 quando foi interrompido pela ditadura militar brasileira. Segundo Coelho (2012, p. 159), "os resultados das atividades dos Círculos de Culturas do MCP repetiam acertos metodológicos de atividades dialógicas realizadas antes no SESI".

A dimensão Cultural da Educação foi uma questão bem refletida pelos professores entrevistados. Entreviam suas significações em todo o processo de ensino e aprendizagem ao longo de todo o trabalho de Freire, que usavam em suas aulas toda a Cultura trazida pelos alunos. Uma vez que "culturas são socialmente criadas, preservadas e transformadas em e como contextos políticos" (BRANDÃO in STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 121).

A Cultura como metodologia, é um caminho para a liberdade e para a autonomia dos educandos, na dinâmica da Educação. Demonstrando a importância de se desenvolver uma consciência crítica e infundir nos estudantes o valor e a relevância de se apropriarem do conjunto de saberes e tradições da sua comunidade para a própria formação e partilha. Como um manifesto do seu mundo, a partir das experiências vividas, desenvolvendo-se de maneira individual e coletiva, para interferirem socialmente, sem se deixar alienar, ou cercear por uma cultura dominante que insiste em diminuir os valores culturais das camadas populares. Onde a educação como ação cultural, seja o caminho para a libertação, pautado pela Reflexão.

Com relação à dimensão "Reflexão", percebe-se, que para o professores Ensino/aprendizagem, História de vida e o Pensamento, são partes inerentes do processo educativo, e que Freire contribui(u) de forma significativa para esse entendimento. O que demonstra a atualidade do educador brasileiro: a "reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo" (FREIRE, 2022, p. 52), tema central no pensamento freireano.

Houve uma concordância unanime entre os professores entrevistados, de que a reflexão constrói o caminho para educação, haja vista a necessidade dos estudantes e dos próprios docentes terem domínio sobre o conteúdo que (teoricamente) devem aprender. Uma aprendizagem significativa, verdadeira, é aquela em que educadores e educandos "vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado" (FREIRE, 2021, p. 28). Para Gadotti (2011, p. 62), "todo ser vivo aprende na interação com o seu contexto: aprendizagem é relação com o contexto".

Não há libertação e transformação sem a devida reflexão, sem alargar o entendimento sobre a situação, ou situações que se debate. Concorde hooks (2017, p. 67), "a luta pela libertação é o estágio inicial da transformação – aquele momento histórico em que começamos a pensar criticamente sobre nós mesmas e nossa identidade diante das nossas circunstâncias políticas". Não se faz Reflexão sem uma percepção do mundo, da vida e da sociedade. No que se referem aos professores, eles concordam que é um dos principais aportes de um docente, é refletir sobre a prática no exercício da docência.

Refletir de maneira crítica sobre "a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática" (idem, p. 40). Para os docentes entrevistados, a consequência da prática só é percebida no decorrer u após as aulas, e esse exercício reflexivo, analítico deve ser permanente.

Que é o primeiro dos 30 pontos, do livro "Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática docente". Refletir sobre a prática docente é inerente à profissão de professor. Para todo/a professor/a progressista, ¨"a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blá-blá-blá” (FREIRE, 2021, p. 24), ou seja, é um exercício permanente do quefazer docente. Não se pode obliterar que a existência de uma, não invalida a outra, ambas são facetas do processo de reflexão do ensino/aprendizagem.

Não há dúvida de que a "nossa prática nos ensina" (FREIRE, 2001, p.71), como também não se deve desconsiderar que a teoria encaminha o docente para construir argumentos em torno, e dos porquês dessa ou daquela prática. Problematizar o que se acha escondido no interior dos temas e dos acontecimentos, ampliando a consciência crítica. Sabe-se que a formação permanente, continuada, proporciona outras perspectivas aos docentes, revela fatos novos, traz maturidade investigativa e pode desaguar em novas dimensões.

Uma "reflexão sobre a prática, não apenas pela argumentação que apresenta a este respeito, mas também porque" (FREITAS in STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 410), o professor comprometido exercita a continuamente a reflexão na perspectiva crítica como condição fundamental para que aconteça o seu desenvolvimento e excelência docente, além dos meios para que promova e produza o conhecimento.

A Reflexão é uma das dimensões que perpassam todo o pensamento filosófico-pedagógico de Freire.  Sem ela o docente se torna apenas um conteudista, bancarista, depositando dados inócuos, sem sentido, na conta do estudante. A concepção bancária da educação tão criticada por Freire.

A reflexão provoca e promove ainda, a "dodiscência" dimensão pouco explorada do pensamento freireano, muito embora Freire o aborde, em seu trabalho, de diversas perspectivas. Uma das características da dodiscência é que "quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender" (idem, p. 25).

O docente não é o detentor do conhecimento, na dialogicidade não há espaço para o saber verticalizado. Não há espaço para uma educação autoritária, rígida, a "educação é também dialógico-dialética, porque é uma relação entre educando, educador e o mundo, no círculo de cultura" (ROMÃO in STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 159).

Para o educador brasileiro, não se pode "fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem" (FREIRE, 2021, p. 33), como este se relaciona socialmente com outros homens, com o meio ambiente, com a natureza e como interfere nessa dinâmica, conscientes de que são seres inconclusos, "temporalizado e situado" (idem, p. 82), que "está no mundo e com o mundo" (idem, p. 37), no tempo presente.

E que os educandos podem "aprender a aprender" a partir da própria história de vida, do seu contexto e que isso perpassa a sala de aula, é uma ocasião em que o professor também aprende. Permitindo que todos os sujeitos se integrem de forma mais humanizada, refletir sobre o "que são para o que querem ser" (ROMÃO in STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2019, p. 159).

Considerações finais 

No decorrer das entrevistas, surgiram alguns impasses, dentre os quais a dificuldade em definir a escolha das dimensões citadas pelos professores, dada a importância que cada uma tem no conjunto da obra freireana.

Durante as entrevistas, notou-se que os docentes muitas vezes ficavam em silêncio diante das perguntas, como se estivessem a buscar na memória, elementos e argumentos para as respostas, frequentemente pediam para que se repetisse a pergunta, e diziam que "necessitavam reler as obras de Freire".

Foram momentos de intensas conversas, e que se abriu "uma ocasião também de se explicar, no sentido mais completo do termo, isto é, de construir o seu próprio ponto de vista sobre eles mesmos e sobre o mundo" (BOURDIEU in MEDINA, 2008, p. 69), sobre suas práticas e os diversos conceitos e dimensões do pensamento freireano. Percebeu-se que durante a entrevista, para alguns professores, "vida e docência se embaralham nas falas coletadas" (VIDAL, 2008, p.240).

Dentro da perspectiva freireana, para melhor entendimento dos conceitos aqui sublinhados, buscou-se para além de embasá-las em algumas obras de Paulo Freire, contribuir também para ampliar o debate, ainda que de maneira sintética, a partir do entendimento dos professores entrevistados. Porém, não se pode questionar que se trata de conceitos pertinentes, com vieses críticos, e que permeiam toda a sua construção pedagógica e sua visão de mundo.

Para Freire, além de problematizadora e politizada, a educação também é produtora e reprodutora de saberes, de modelos, de estruturas, que são muitas vezes incoerentes, voltada para a cultura da permanência. Uma cultura permanentizada no arcabouço da instituição escolar. Cabe ao educador, ter consciência de fazer uma contraposição e fazer da sua "prática docente", um instrumento "crítico, implicante do pensar certo", (FREIRE, 2013, p. 38), que não deve se encerrar dentro das contradições sociais e históricas, desumanizantes.

Assim sendo, a Educação, se apresenta cada vez mais como um potente dispositivo de mudanças, em que ensinar é também conhecer, aprender, entender e compreender a realidade para sobre ela agir e ressignificar. Aprender significa construir, reconstruir, para mudar o que não atende mais à sociedade. Considerando-se ainda a incompletude dodiscente. Uma vez que, "ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se ‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro amanhã" (FREIRE, 2021, p. 30).

Seu ideário é permanente e, pauta-se na luta por outro mundo possível. Um mundo em consonância com o esperançar freireano, como um universo repleto de possibilidades e não como um destino fatal. Pensar a "dodiscência" na hipótese de uma educação da esperança, coincidente o pensador pernambucano "enquanto necessidade ontológica" (FREIRE, 2008, p. 11), que seja fundamentada na prática diária.

Numa prática como ele preconizava "revolucionária, fundamentalmente anunciadora" (FREIRE, 2021, p. 77), da mudança no mundo, de uma insuspeição de que é possível e é indeclinável a mudança no encantamento da vida, pelo caminho da educação, rumo a uma utopia diligente, ou como ele categorizou: "inédito viável" (FREIRE, 2008, p. 11).

Assim, a partir da análise do retorno dos docentes, é possível perceber algumas dimensões do pensamento freireano, como resposta ante os desafios educacionais contemporâneos que se apresentam.  Em que a Educação como um Ato político, a Amorosidade, a Autonomia, a Cultura, o Conhecimento e a Reflexão, são apontados como a pavimentação para uma educação emancipadora e humanizadora, promovendo a conscientização dos homens e das mulheres, numa lógica voltada para o respeito e a amorosidade.

Fortalecendo o compromisso ético com a formação de cidadãs e cidadãos, estimulando os valores de solidariedade, humanização, em que estejam empenhados e comprometidos com a transformação social.

Ressalta-se que o grupo participante dessa pesquisa, considerou de grande importância o estudo do tema, visto que tiveram contato com alguma obra, mas de forma insuficiente, com a teoria de Freire, tinham noção, mas não tinha um conhecimento profundo, a clareza acurada das ideias político-filosófico-pedagógicas.

        Para o grupo de docentes entrevistados, Freire é a maior referencia contemporânea em Educação no Brasil. Não apenas na dimensão da Alfabetização de Adultos, mas em qualquer modalidade de ensino. E ainda que seus métodos devam ser utilizados nas escolas, isso atualizaria seu pensamento e sua teoria, não apenas para os professores, mas em especial para os estudantes, e a sociedade em geral, que sequer sabem quem foi o educador brasileiro. Segundo eles, muitos docentes desconhecem completamente a significância de Paulo Freire.

        Neste sentido, existe um espaço amplo para ser preenchido, posto que "a escola pré-pandemia, já demonstrava seu cansaço, sua incompatibilidade com as necessidades social e muito distante das demandas” (COLARES in HARDAGH; GAMEZ, 2021, p. 81) dos estudantes. Mesmo considerando o papel de certificação que tem a escola.

Todavia, admitiam a importância de adentrar mais na teoria freireana e a sua pertinência para a educação. Sobre a atuação e produção intelectual do educador brasileiro, "devemos enxergar a sua obra como um todo para entender as suas principais contribuições" (GADOTTI, s/d, p. 21).  Nesta perspectiva, compreende-se a trajetória de cada professor e a necessidade de se enfatizar a importância do educador Paulo Freire para formação docente, como também o debate acerca do seu legado que é sempre atual. Além do reconhecimento de que o pensamento de Freire tem a dimensão universal.

        Os desafios ainda são consideráveis, por certo, mas sua superação é contornável e demanda investimentos estruturais, salariais e formativos. Pesquisar sobre a temática, amplia o conhecimento sobre a história da educação, da escola, da escolarização, dos formadores, e dos formandos, bem como as demais dimensões da educação, que nem sempre são observáveis.

Superar essas tensões presentes no campo da Educação pressupõe valorizar "o papel da escola, da educação escolar, na formação da cidadania" (FONSECA, 2010, p. 11), que apesar das tantas crises, "a escola continua a ser um espaço de enorme importância para a maior parte da população" (idem: ibidem).

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Las opiniones, análisis y conclusiones del autor son de su responsabilidad y no necesariamente reflejan el pensamiento de la Revista Inclusiones.


[1] Aula ministrada pela professora Diana Vidal, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), Portugal, no ano de 2008, aquando eu fazia o Mestrado.

[2] Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/FvkbdCGcr5KP93Q9fvMKzPj/?lang=pt Acesso em: 20.09.2023.

[3] Caderneta on-line, disponível em: < https://www.siepe.educacao.pe.gov.br//> Acesso em 20.09.2023.

[4] Disponível em:https://acervoapi.paulofreire.org/server/api/core/bitstreams/2597a236-d4f0-4b26-a241-82d8ef5bf865/content Acesso: 20.09.2023.