Justiça e vingança no conflito entre Israel-Palestina, justiça e vingança entre Israel e Palestina.

Justicia y venganza en el conflicto Israel-Palestina, justicia y venganza entre Israel y Palestina.

Justice and Revenge in the Conflict between Israel-Palestine, justice and revenge between Israel and Palestine.

Márcio Vinicius Machado Ribeiro
MVR Advogados, Brasil
marcio.ribeiro@mvradvogados.adv.br
https://orcid.org/0000-0002-1448-8831

Fecha de Recepción: 9 de Diciembre de 2023
Fecha de Aceptación: 01 de Marzo de 2024
Fecha de Publicación: 10 de Julio de 2024

Financiamiento:
La investigación fue autofinanciada por el autor

Conflictos de interés:
El autor declara no presentar conflicto de interés.

Correspondencia:
Nombres y Apellidos:
Márcio Vinicius Machado Ribeiro
Correo electrónico: marcio.ribeiro@mvradvogados.adv.br
Dirección postal: Brasil

RESUMO

A importância de se analisar as diferenças entre a justiça e a vingança para o sistema jurídico é fundamental, pois por meio dela acessamos informações essenciais que servem de fundamento para um raciocínio jurídico, bem como base para evidenciar a sua finalidade dentro da dinâmica do sistema jurídico. Dessa forma, apresentaremos informações importantes históricas e filosóficas sobre a tópica, além de conceitos e definições para a prática das normas. Ressaltamos a importância da análise sobre a questão de justiça e vingança para o Sistema Jurídico no caso de Israel e da Palestina, uma vez que ao fazer um julgamento devemos ter isso bem definido e separado para não sermos induzidos a julgamento errôneo. Obteremos a base das análises do sistema jurídico tomando como ideias filosóficas textos jurídicos que se constituem de um Sistema Jurídico que trate as expectativas humanas. Isto posto, vamos tratar de questões jusfilósofo como forma de resgatar a Justiça e a Vingança e como pensar jurídico por excelência, fundada na contramão entre a importância do problema e do sistema para

direcionar o raciocínio jurídico.

A justiça em si não é completamente distinta da vingança ou pelo menos não quando se retoma o olhar da antiguidade. Sobre essa questão expõe muito bem Tércio Sampaio Ferraz Junior[1]. Verifica esse jurista que para compreender melhor a relação entre justiça e vingança faz-se necessário se desdobrar mais sobre a cultura grega que a romana.

Em complemento a esse pensamento, Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior2 examina que na justiça relacionada à Themis há três maneiras comuns de punição. A primeira é a pena de morte, a segunda é o ostracismo e a terceira é a tortura. O ato de confessar é subjugação completa do infrator, é o momento em que ele aceita que sua ação foi um crime.

Assim, podemos ter questões a serem resolvidas juridicamente por intermédio de premissas, que direcionam os problemas concretos. Essas premissas, que podem não ser verdadeiras e não direcionar a solução do problema, integram a questão da solução do problema através da hermenêutica, sendo o fator mais importante da transparência para se chegar a solução do problema, a argumentação.

O estudo da justiça em vingança jurídica tem diversas fontes, porém todas elas estão voltadas a análise da filosofia e da teoria do direito. Este trabalho tem por objetivo discorrer sobre a diferença entre a Jutiça e a Vingança no julgamento Jurídico, e também expor a abordagem do pensamento sistemático e a sua diferença em relação ao pensamento problemático.

Justiça de Dikê no lugar da vingança e a justiça relacionada à Themis está mais próxima da vingança, vamos fazer essa diferenciação.

O presente estudo tem como premissa o levantamento de uma análise dos grandes filósofos que fizeram pensar no entendimento da Justiça e Vingança.

Palavras-chave: Justiça, Vingança, Sistema Jurídico, Israel, Palestina, Hamas, Themis e Dikê.

RESUMEN
La importancia de analizar las diferencias entre la justicia y la venganza para el sistema jurídico es fundamental, ya que a través de ella accedemos a información esencial que sirve como fundamento para un razonamiento jurídico, así como base para evidenciar su finalidad dentro de la dinámica del sistema jurídico. De esta manera, presentaremos información histórica y filosófica importante sobre el tema, además de conceptos y definiciones para la práctica de las normas. Resaltamos la importancia del análisis sobre la cuestión de justicia y venganza para el sistema jurídico en el caso de Israel y Palestina, ya que al hacer un juicio debemos tener esto bien definido y separado para no ser inducidos a un juicio erróneo. Obtendremos la base de los análisis del sistema jurídico tomando como ideas filosóficas textos jurídicos que constituyen un sistema jurídico que trata las expectativas humanas. Dicho esto, abordaremos cuestiones jusfilosóficas como forma de rescatar la justicia y la venganza y como pensar jurídicamente por excelencia, fundada en la contraposición entre la importancia del problema y del sistema para dirigir el razonamiento jurídico.

La justicia en sí no es completamente distinta de la venganza, o al menos no cuando se retoma la mirada de la antigüedad. Sobre esta cuestión expone muy bien Tércio Sampaio Ferraz Junior. Este jurista verifica que para comprender mejor la relación entre justicia y venganza es necesario profundizar más en la cultura griega que en la romana.

En complemento a este pensamiento, el Profesor Tércio Sampaio Ferraz Júnior examina que en la justicia relacionada con Themis hay tres formas comunes de castigo. La primera es la pena de muerte, la segunda es el ostracismo y la tercera es la tortura. El acto de confesar es la completa sumisión del infractor, es el momento en que acepta que su acción fue un crimen.

Así, podemos tener cuestiones a ser resueltas jurídicamente por medio de premisas, que dirigen los problemas concretos. Estas premisas, que pueden no ser verdaderas y no dirigir la solución del problema, integran la cuestión de la solución del problema a través de la hermenéutica, siendo el factor más importante de la transparencia para llegar a la solución del problema, la argumentación.

El estudio de la justicia en la venganza jurídica tiene diversas fuentes, sin embargo, todas ellas están orientadas al análisis de la filosofía y la teoría del derecho. Este trabajo tiene por objetivo disertar sobre la diferencia entre la justicia y la venganza en el juicio jurídico, y también exponer el enfoque del pensamiento sistemático y su diferencia en relación con el pensamiento problemático.

La justicia de Diké en lugar de la venganza y la justicia relacionada con Themis está más cercana a la venganza, vamos a hacer esta diferenciación.

El presente estudio tiene como premisa el levantamiento de un análisis de los grandes filósofos que reflexionaron sobre el entendimiento de la justicia y la venganza.

Palabras clave: Justicia, Venganza, Sistema Jurídico, Israel, Palestina, Hamás, Themis y Diké.

ABSTRACT

The importance of analyzing the differences between justice and revenge for the legal system is fundamental, as through it we access essential information that serves as a basis for legal reasoning, as well as a basis for highlighting its purpose within the dynamics of the legal system. . In this way, we will present important historical and philosophical information about the topic, as well as concepts and definitions for the practice of standards.

We emphasize the importance of analyzing the issue of justice and revenge for the Legal System in the case of Israel and Palestine, since when making a judgment we must have this well defined and separated so as not to be induced into an erroneous judgment. We will obtain the basis for analyzing the legal system by taking as philosophical ideas legal texts that constitute a Legal System that addresses human expectations. That said, we will deal with legal philosophical issues as a way of rescuing Justice and Revenge and as legal thinking par excellence, based on the opposite direction between the importance of the problem and the system to direct legal reasoning.

Justice itself is not completely different from revenge, or at least not when looking back to antiquity. Tércio Sampaio Ferraz Junior explains this issue very well. This jurist notes that to better understand the relationship between justice and revenge, it is necessary to look more deeply into Greek culture than Roman culture.

In addition to this thought, Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior examines that in justice related to Themis there are three common ways of punishment. The first is the death penalty, the second is ostracism and the third is torture. The act of confessing is the complete subjugation of the offender, it is the moment in which he accepts that his action was a crime.

Thus, we may have issues to be resolved legally through premises, which direct the concrete problems. These premises, which may not be true and may not direct the solution to the problem, are part of the issue of solving the problem through hermeneutics, with the most important factor of transparency in reaching a solution to the problem being argumentation.

The study of justice in legal revenge has several sources, but all of them are focused on the analysis of philosophy and theory of law. This work aims to discuss the difference between Justice and Revenge in Legal judgment, and also expose the approach of systematic thinking and its difference in relation to problematic thinking.

Dikê's justice instead of revenge and the justice related to Themis is closer to revenge, let's make this distinction.

The present study has as its premise the survey of an analysis of the great philosophers who made people think about the understanding of Justice and Revenge.

Keywords: Justice, Revenge, Legal System, Israel, Palestine, Hamas, Themis and Dikê.

Introdução

No dia 07 de outubro de 2023, a organização política e militar de nome oficial Movimento de Resistência Islâmica, popularmente alcunhado de Hamas, ataca o território israelense com cerca de cinco mil mísseis, deixando cerca de quarenta mortos e quase oitocentas pessoas feridas[2].

Seria uma retaliação às ações realizadas por colonos israelenses que ingressaram no território palestino atacando lojas de Gaza e na Cisjordânia durante o mês de setembro de 2023[3]. Como contrapartida ao ataque de mísseis por parte do Hamas, Israel iniciou uma incursão ao Norte de Gaza, prometendo acabar com o Hamas. Como consequência dessa trágica ação hospitais, templos e escolas sofreram bombardeios, ocorrendo um saldo de imenso número de palestinos mortos. Até o dia 07 de novembro de 2023, aniversário de um mês depois dos acometimentos operados pelo Hamas, cerca de dez mil palestinos vieram a óbito por conta dessa guerra. Muitos são mulheres, idosos e crianças, pessoas que não carregavam armas, explosivos

ou ofereciam qualquer risco a Israel[4].

Lógico que por trás das retaliações há o uso estratégico de vários atores políticos que se digladiam. Por um lado, o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aproveita o contexto para se manter no cargo. Alvo de investigações de corrupção e suportando uma crise institucional ferrenha com a Suprema Corte de Israel, a nova guerra contra os palestinos possibilitou que as divergências entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo do país se paralisassem e os conflitos passassem para o futuro[5].

Não se pode deixar de lado também a geopolítica do gás natural, haja vista que em um momento crítico da Guerra da Ucrânia, em que os recursos humanos e econômicos do país em que essa guerra é palco estão se esgotando, Israel ataca um território palestino que está defronte. de jazidas de gás natural. Há bolsões de gás natural no subsolo marítimo do Mar Mediterâneo que está na frente do Norte da Faixa de Gaza, podendo ser explorados em benefício dos consumidores do gás comercializado pela Rússia[6].

Da mesma forma, o Hamas recolocou na ordem do dia a Questão Palestina e aumentou sua popularidade ao demonstrar sua capacidade de dar alguma resposta as violências que palestinos sofreram no mês de setembro e início de outubro por parte de colonos israelenses[7].

Porém a guerra não surgiu apenas dos interesses políticos desses atores. Houve a necessidade deles se utilizarem de narrativas estratégicas para que a guerra ocorresse. Entre as várias narrativas estratégicas, a mais forte é o discurso de justiça e vingança, porque ele se torna meio para legitimar os atos de violência.

São gerações que convivem com as trocas de dores. A própria formação desses dois Estados se sedimenta na contraposição entre esses povos. Entretanto, a paz é um fim desejado por todos. Fica em questão se é possível haver pacificação com justiça ou sem justiça, com vingança ou sem vingança e esse é o ponto a discorrer no presente texto.

I - Justiça e Vingança

A justiça em si não é completamente distinta da vingança ou pelo menos não quando se retoma o olhar da antiguidade. Sobre essa questão expõe muito bem Tércio Sampaio Ferraz Junior[8]. Verifica esse jurista que para compreender melhor a relação entre justiça e vingança faz-se necessário se desdobrar mais sobre a cultura grega que a romana.

Defende o autor que em Roma a representação divina da justiça era a deusa Iustitia. Sua imagem era de uma mulher com os olhos vendados. Iustitia difere Themis e Dikê, que na sociedade helênica eram as deusas da justiça. Themis é a divindade protetora da justiça intrafamiliar, era aquela que promovia a ordem na escala do genos, daqueles que possuíam vínculos normalmente consanguíneos. Enquanto isso, Dikê é a deusa da justiça interfamiliar, para a escala que excedia o genos, portanto, era a deusa da justiça da pólis.
        
A justiça ligada ao ambiente familiar, ou seja, a justiça vinculada a Themis tinha uma grande relação simbólica com o sangue. Examina-se que os ilícitos punidos por essa perspectiva se relacionavam bastante com o corpo e a honra da família. Havia a necessidade de resguardar o sangue, pois ele simbolizava a honra do genos. Do mesmo modo, as sanções aplicadas repercutiam no físico do malfeitor. Era uma tentativa de retribuir o injusto, violando o sangue de quem violou o sangue.

Como o fundamento da sanção era a retribuição, a atuação da justiça relacionada à Themis era o castigo, visto que buscava a reparação pelo mal feito. Essa reparação ocorria em certa noção de qualidade e não de quantidade. Era realizada sob o prisma do ofendido, isto é, em conformidade com as suas emoções. Trata-se do interesse privado do ofendido se estabelecendo, ocorrendo uma assimetria entre a vítima sancionadora e o infrator punido. Entretanto, o interesse privado do ofendido se sedimentava na solidariedade de grupo, havendo respaldo da coletividade.

A justiça relacionada à Themis está mais próxima da vingança. A vingança exige retribuição, ela se baseia na reciprocidade. Não é à toa que na vingança o ofendido é quem toma as rédeas para a execução da punição. Sobre essa perspectiva, veja-se as seguintes palavras de Tércio Sampaio Ferraz Junior[9]:

“Na vingança, o ofensor ocupa um papel secundário: o papel primário cabe ao ofendido. É o ofendido que, na estrutura da vingança, tem necessidade de uma reparação (como no duelo, por exemplo). Ou seja, o “beneficiário” da “compensação” é a vítima, não se tratando de uma relação de retribuição do tipo crime/castigo. Nessa estrutura, não importa, afinal, o que fez o ofensor, que pode ter agido até honradamente (legítima defesa). A carga da vingança repousa no ofendido.”

Já a justiça vinculada à Dikê se lastreia na proporcionalidade. Ela procura uma indenização e não a aniquilação ou a destruição total de seu oponente, tal como se faz na vingança. Ela é proporcionalmente reparativa, coloca a vítima e o ofensor em igualdade, fundamentando uma relação de simetria.

Além disso, a justiça de Dikê se destina a ter um fim, sendo ele o que sustenta a sentença. Ela procura acabar com a angústia do ofendido, a fazer justiça, dizer o que cabe a cada um. A justiça de Themis não possui fim. A vingança tem caráter permanente. Logo, a perspectiva de justiça ligada à Dikê é a que melhor aplica para as instituições internas dos Estados Nacionais, especialmente no que se trata de Estado de Direito, pois o monopólio da violência inutiliza a vingança como meio de se alcançar a justiça[10].

O sentido de uma guerra se relaciona muito mais à justiça de Themis, do que a de Dikê. A guerra se justifica sob o discurso de que houve ofensa, aliás, ofensa à honra da coletividade. Por causa do sentimento de grupo, especialmente, na defesa de seus valores, fundamenta-se a incitação à vingança. Como “a honra se lava com sangue”, a guerra declarada se torna o meio do ofendido impor assimetricamente, conforme sua visão de mundo, a punição ao infrator. Essa punição não possui encerramento, eternizando-se.

Ainda o que corrobora a esse olhar, tem-se em questão o pensamento de Agamben[11] sobre a justiça. Examina-se que o teórico italiano ao discorrer sobre o caluniador, realizando uma breve reflexão sobre a denúncia dessa figura na vida pública romana e a relação que essa posição possui com a obra de Franz Kafka, o Processo, verifica que o processo de auto calúnia é uma forma de arrancar a verdade de alguém. Essa forma pode ocorrer por meio da tortura, alcançando a confissão.

Em complemento a esse pensamento, Tércio Sampaio Ferraz Júnior[12] examina que na justiça relacionada à Themis há três maneiras comuns de punição. A primeira é a pena de morte, a segunda é o ostracismo e a terceira é a tortura. A tortura, tanto na Grécia, como em Roma, era meio de extrair a verdade de quem já estava sendo punido. Outro exemplo é o dos procedimentos dirigidos pela Inquisição. Neles a tortura era uma forma de reeducação, tratava- se de fazer a pessoa que estava apenada se confessar. O ato de confessar é subjugação completa do infrator, é o momento em que ele aceita que sua ação foi um crime.

Na guerra há grandes há essas três formas de punição que decorrem da vingança ao mesmo tempo. A morte é a mais clara, pois é direta. É indiscutível que a guerra visa a destruição total do oponente, visa encerrar com a vida do malfeitor. Já o ostracismo é uma sanção utilizada com frequência. Em decorrência de guerras há altíssimos números de refugiados, portanto pessoas colocadas em ostracismo.

No entanto, a punição mais comum, no entanto, mais oculta, que a vingança em forma de guerra constitui, é a tortura. A guerra como tortura visa a capitulação total do adversário. Não bastam os mortos e refugiados, tem-se que aceitar a narrativa de quem venceu e fazer o erdedor confessar seus crimes. Veja-se que os acordos de paz sempre exigem alguma forma de pedido de desculpas por parte de ofendido e concordância com a narrativa do vencedor. O perdedor precisa assinar um documento declarando que deu causa aos horrores cometidos contra o vencedor e contra si mesmo. É nisso que a rendição se consubstancia.

Assim foi a Ata de Rendição do Japão de 02 de setembro de 1945, momento em que esse Império declara sua submissão aos Estados Unidos da América com a finalização da Segunda Guerra Mundial, não é diferente o que ocorreu no Tratado de Paris de 1814 em decorrência dos termos ajustados no Congresso de Viena, ocasião que a França se submete aos monarcas do Antigo Regime após perder as Guerras Napoleônicas, bem como no Tratado de Paz de Versalhes, Trianon e Sèvres e Lausanne, ocasião em que a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Turquia tiveram que declarar a subjugação à Entente após o encerramento da Primeira Guerra mundial.

Nesse último exemplo histórico há mais uma questão a refletir, a permanência da vingança. Uma boa obra que serve para embasar como a vingança vai passando de geração à geração é o filme Feliz Natal[13]. Nas cenas iniciais, aparecem alunos ingleses, franceses e alemães de escolas primárias apresentando os motivos da futura guerra. Ali fica claro que a guerra era uma vingança pelas perdas existentes em outras guerras, bem como uma forma de compensar a desonra que a nação tinha sofrido nessa outras ocasiões. Portanto, a vingança era contínua, atravessava geração e geração. É uma sequência de eventos que embasam as rivalidades, desde as Invasões à França Revolucionária, Guerras Napoleônicas, Guerra Franco- Prussiana alcançando a Primeira Guerra Mundial, a qual será tema de fundo desse filme. Essa sequência de vinganças logra a Segunda Guerra Mundial.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ainda a Alemanha teve que se subjugar às potências vencedoras, sendo dividida. Porém, a habilidade política de Konrad Adenauer, Robert Schuman entre outros estadistas da época viabilizou a construção da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Esse organismo internacional possibilitou o comércio aberto de carvão e aço entre a França, Alemanha e Itália, de modo que não haveria mais grandes motivos pela disputa das jazidas de ferro e carvão mineral do Vale Renano. Ademais, haveria uma administração recíproca da quantidade e qualidade de aço e carvão comercializado entre as nações, de sorte que ofertasse a cada Estado um paradigma sobre o armamento fabricado pelos países ignatários. Esse objetivo traçado na Declaração Schuman[14] funcionou e funcionou com tanto sucesso que a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço se tornou cerne para a União Europeia e a paz se mantém entre a Alemanha, Itália e França há mais de setenta anos[15].

II- Vingança e Conflito Israel-Palestina

O território disputado por israelenses e palestinos tem a base de seu conflito no final do século XIX. Após a Guerra da Crimeia, o Império Turco-Otomano oportuniza a compra de terras por estrangeiros, o que consubstanciou em grandes propriedades de matérias primas, naquele momento monocultura de cítricos, que entrou em contraposição com a agricultura tradicional praticada por clãs árabes, caracterizada pelo plantio em comunais[16].

Essa estrutura fundiária piora ainda mais após a Primeira Guerra Mundial quando o Reino Unido passa a administrar essa localidade, chamando-o de Mandato da Palestina. Para os britânicos sufocarem movimentos árabes que reivindicavam a retirada de suas tropas da região, auxiliaram a implementação de colônias agrícolas sionistas no Mandato da Palestina. Nessa circunstância, os sionistas reivindicavam a possibilidade da construção do Estado de Israel a fim de que o povo judeu tivesse instituições estatais que impedissem as históricas perseguições que o flagela[17].

Essa política de conferir terras que antes eram utilizadas por árabes para imigrantes sionistas levou ao crescimento de conflitos entre esses dois grupos.

Com o fim da invasão britânica, os sionistas criam o Estado de Israel, começando uma nova política de expulsão de árabes de localidades em que havia maiores concentrações de judeus, evento alcunhado de Guerra da Palestina. Essa guerra levou o Egito, a Jordânia e a Síria a atacarem Israel, contexto que ficou denominado como Guerra de Independência em 1948. A partir desse momento, a paz se tornou impossível entre os palestinos e os israelenses. De lá para cá houve a Guerra de Desgaste, Guerra do Yom Kippur, Operação Litani, Primeira Intifada, Segunda Intifada, Operação Chumbo Fundido entre várias outras rivalidades[18].

Ambos os povos estabelecem sua formação nacional no sangue e na religião, de maneira que a ideologia nacional se constrói pela sucessão de valores e pela herança genética judaica no caso de Israel e valores mulçumanos e pela herança genética árabe no que se concerne aos palestinos. Para ambos os povos, os mortos nas guerras são verdadeiros irmãos e a honra da nação foi atingida pelo inimigo. Sem deixar de dizer que tanto para a religião judaica quanto para a religião maometana, a lei de talião é considerada um paradigma para a justiça. Portanto, a vingança tem lastro confessional.

A provocação da dor permanente no adversário é outro fator que demonstra a vingança. São gerações se matando e milhões de palestinos buscando o ostracismo na condição de refugiados. Ainda não se pode deixar de lado que os conflitos entre palestinos e israelenses se configura como uma tortura. Nesse conflito, há uma tentativa de fazer o oponente confessar seus pecados. Para os palestinos, a confissão é de que os israelenses os tomaram as terras e assassinaram muitos árabes e para os israelenses a confissão de que os palestinos provocaram ondas de terror e perseguição ao povo judeu.

Trata-se da busca de retribuição, de castigar o oponente. Não pode haver simetria nessa relação. Há valores em conflito, que só podem ser vingados se aplicado o castigo justo ao olhar de quem se vê como vítima.

Para que haja a pacificação do conflito sem que um genocídio se conclua, sem que a completa destruição ocorra, é necessário substituir a justiça ligada à Themis pela justiça vinculada à Dikê.

Para isso, far-se-á preciso a consolidação de instituições que equilibrem ambas as partes. Elas devem viabilizar a igualdade entre as partes. A justiça deve buscar um fim, um encerramento, de tal modo que propicie a ordem entre as duas nações, acabando com as angústias das diversas coletividades envolvidas.

Infelizmente a Organização das Nações Unidas não vem desempenhando seu papel com sucesso. Talvez seja mais importante, que a busca da boa consciência das partes em reduzir os conflitos, procurar instrumentos que construam instituições, as quais estrategicamente impeçam as guerras, assim como foi a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.

Na Europa, as instituições econômicas possibilitaram a criação de um largo arcabouço judicial para que se consolidasse a justiça de Dikê. Há o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, por exemplo, que lida muito bem com isso, bem como o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Parlamento Europeu e o conjunto de normas desse bloco.

Por isso, seria sugestivo aos moldes da Europa que no Oriente Médio houvesse instituições econômicas que traçassem linhas de suporte e controle entre as nações ao ponto delas poderem se vigiar pela paz. Desse ponto em diante, novas instituições mais robustas poderiam auxiliar na construção de um ordenamento jurídico que visasse a manutenção da paz.

Conclusão

A guerra se caracteriza por ser vingativa. Na verdade é um meio de vingança. A guerra necessita de uma construção permanente, exige assimetria entre as partes, sedimenta-se na imposição da perspectiva de quem se põe como ofendido. Sem deixar de dizer que a guerra busca a destruição completa do infrator, seja pela morte, seja pelo ostracismo ou seja como instrumento de tortura para fazer o outro confessar os erros que o vencedor atribui ao perdedor. A guerra visa a retribuição, proporcionar dor no adversário.

Essas características podem ser examinadas em várias guerras ao longo da história e não seria diferente no processo contínuo de trocas de violência que há entre Israel e a Palestina.

Diante disso, para alcançar a paz, evitando-se a destruição total de algum dos polos, seria importante o estabelecimento de instituições nacionais e supranacionais para promoverem a justiça de Dikê no lugar da vingança. A real promoção do que é justo, necessita colocar o interesse público, no caso em tela o interesse internacional, em um patamar superior ao privado, que nessa circunstância é o daqueles que se degladiam. Desse modo, a pacificação dessa localidade precisa de uma mudança de paradigma do que é justiça, compreendendo que é muito mais benéfica a que tem como finalidade por fim às desavenças e encerrar com as angústias dos povos, do que manter um ciclo permanente de vingança.

 Referência

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Las opiniones, análisis y conclusiones del autor son de su responsabilidad y no necesariamente reflejan el pensamiento de la Revista Inclusiones.


[1] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Punir entre a Justiça e a Vingança. Palestra proferida em 06.05.19 na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, na 1ª. Reunião do Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos.

[2] ALAM, Hande; ; DAHMAN, Ibrahim; GOLD, Hadas; TAL, Amir. Israel é bombardeado por mísseis vindos de Gaza; Hamas assume autoria do ataque. CNN, Gaza, 07 de outubro de 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/israel-e-bombardeado-por-misseis-vindos-de-gaza-hamas- assume-autoria-do-ataque/ . Acesso em: 05 de dezembro de 2023.

[3] Violência de colonos israelenses contra palestinos aumenta na Cisjordânia. G1, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/10/21/violencia-de-colonos- israelenses-contra-palestinos-aumenta-na-cisjordania.ghtml . Acesso em: 05 de dezembro de 2023.

[4] DAMANHOURY, Kareem; SALMAN, Abeer. Número de mortos na Faixa de Gaza ultrapassa 10 mil, diz Ministério da Saúde palestino. CNN, Gaza, 07 de novembro de 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/numero-de-mortos-na-faixa-de-gaza-ultrapassa-10-mil-diz- ministerio-da-saude-palestino/ . Acesso em: 05 de dezembro de 2023.

[5] PAVINI, Murilo. Netanyahu terá uma batalha judicial depois da guerra. Rio de Janeiro, Crusoé, 30 de novembro de 2023. Disponível em: https://crusoe.com.br/diario/netanyahu-tera-batalha-judicial- depois-da-guerra/. Acesso em: 03 de dezembro de 2023.

[6] DERVICHE, Andre. Construção de gasoduto na Faixa de Gaza reacende preocupações na região. São        Paulo,        Jornal        da        USP,        18        de        março        de        2021.        Disponível        em: https://jornal.usp.br/atualidades/construcao-de-gasoduto-na-faixa-de-gaza-reacende-preocupacoes- na-regiao/ . Acesso em: 04 de dezembro de 2023.

[7] BRAUN, Julia. Por que o Hamas atacou Israel agora? Brasília, Correio Braziliense, 09 de outubro de 2023. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2023/10/5132543-por-que-o- hamas-atacou-israel-agora.html . Acesso em: 05 de dezembro de 2023.

[8] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Punir entre a Justiça e a Vingança. Palestra proferida em 06.05.19 na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, na 1ª. Reunião do Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos.

[9] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Justiça e Vingança. Brasília, Advocacia Hoje, 01 de junho de 2019.

[10] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Punir entre a Justiça e a Vingança. Palestra proferida em

06.05.19 na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, na 1ª. Reunião do Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos.

[11] AGAMBEN, Giorgio. Nudez. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. p. 37-58.

[12] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Punir entre a Justiça e a Vingança. Palestra proferida em

06.05.19 na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, na 1ª. Reunião do Fórum Permanente de Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos.

[13] FELIZ NATAL. Direção: Christian Carion. Produção: Christophe Rossignon. França: Telemage, 2005.

[14] SCHUMAN, Robert. Declaração Schuman de 1950. Estrasburgo: União Europeia, 2023. Disponível em:        https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/history-eu/1945-59/schuman-

[15] MARTIN, André. União Europeia. São Paulo: Ática, 2000.

[16] ABDULLAH, Daud. A History of Palestinian Resistance. Leicester: Friends of Al Aqsa, 2005. p. 2-6.

[17] ABDULLAH, Daud. A History of Palestinian Resistance. Leicester: Friends of Al Aqsa, 2005. p. 28- 68.

[18] ABDULLAH, Daud. A History of Palestinian Resistance. Leicester: Friends of Al Aqsa, 2005. p. 68- 128.