Projeto Costurando o Futuro: Um Estudo de Caso sobre Políticas Públicas e Sustentabilidade no Município de Fortaleza/Ce


Proyecto Cosiendo el Futuro: Un Estudio de Caso sobre Políticas Públicas y Sostenibilidad en el Municipio de Fortaleza/Ce

Sewing the Future Project: A Case Study on Public Policies and Sustainability in the Municipality of Fortaleza/Ce

Nadyegida Barbosa do Rêgo

Universidad Federal de Ceará, Brasil

nadyegidadv@gmail.com

Verônica Salgueiro do Nascimento

Universidade Federal do Ceará, Brasil

vesalgueiro@ufc.br

Fecha de Recepción: 16 de noviembre de 2023
Fecha de Aceptación: 12 de diciembre de 2023
Fecha de Publicación: 29 de diciembre de 2023

Financiamiento:
La investigación fue autofinanciada por los autores.

Conflictos de interés:
Los autores declaran no presentar conflicto de interés.

Correspondencia:
Nombres y Apellidos: Nadyegida Barbosa do Rêgo
Correo electrónico: nadyegidadv@gmail.com
Dirección postal:
Brasil

Resumo

O estudo teve como objetivo avaliar o Projeto Costurando o Futuro no ateliê Bom Jardim, em Fortaleza/CE, segundo indicadores de sustentabilidade. O Projeto Costurando o Futuro é uma política de inclusão produtiva da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SDE), da Prefeitura de Fortaleza (PMF). A metodologia é qualitativa, por meio de triangulação de dados a partir de pesquisa bibliográfica, documental e da realização de entrevistas, enquanto a análise dos dados seguiu a perspectiva da Avaliação de Políticas Públicas com Base na Sustentabilidade (ABS).  O projeto contribuiu para redução de parte da vulnerabilidade vivenciada por mulheres no bairro Bom Jardim em maior escala do que a própria promoção de inclusão produtiva. Conclui-se que, nas quatro dimensões da ABS, ainda são percebidos pontos críticos de adaptação pelo poder público em parceria com a sociedade para mudanças mais eficazes, de modo a contribuir para o exercício de direitos pelos moradores das comunidades assistidas.

Palavras-chave: Avaliação de políticas públicas com Base na Sustentabilidade (ABS), Projeto Costurando o Futuro, inclusão produtiva, economia circular, Bairro Bom Jardim.

Resumén

El estudio tuvo como objetivo evaluar el Proyecto Cosiendo el Futuro del estudio Bom Jardim, en Fortaleza/CE, según indicadores de sostenibilidad. El Proyecto Cosiendo el Futuro es una política de inclusión productiva de la Secretaría Municipal de Desarrollo Económico (SDE), de la Ciudad de Fortaleza (PMF). La metodología es cualitativa, a través de la triangulación de datos provenientes de investigaciones bibliográficas, documentales y entrevistas, mientras que el análisis de los datos siguió la perspectiva de la Evaluación de Políticas Públicas Basadas en la Sostenibilidad (ABS). El proyecto contribuyó a reducir parte de la vulnerabilidad que viven las mujeres del barrio de Bom Jardim en una escala mayor que la promoción de la inclusión productiva en sí. Se concluye que, en las cuatro dimensiones del ABS, los puntos críticos de adaptación aún son percibidos por las autoridades públicas en asociación con la sociedad para cambios más efectivos, con el fin de contribuir al ejercicio de los derechos de los residentes de las comunidades asistidas.

Palabras-clave: Evaluación de políticas públicas basadas en la Sostenibilidad (ABS), Proyecto Cosiendo el Futuro, inclusión productiva, economía circular, Barrio de Buen Jardim.

Abstract

The study aimed to evaluate the Sewing the Future Project at the Bom Jardim studio, in Fortaleza/CE, according to sustainability indicators. The Sewing the Future Project is a productive inclusion policy of the Municipal Secretariat for Economic Development (SDE), of the City of Fortaleza (PMF). The methodology is qualitative, through triangulation of data from bibliographical and documentary research and interviews, while data analysis followed the perspective of the Assessment of Public Policies Based on Sustainability (ABS). The project contributed to reducing part of the vulnerability experienced by women in the Bom Jardim neighborhood on a larger scale than the promotion of productive inclusion itself. It is concluded that, in the four dimensions of ABS, critical points of adaptation are still perceived by public authorities in partnership with society for more effective changes, in order to contribute to the exercise of rights by residents of assisted communities.

Keywords: Assessment of public policies based on Sustainability (ABS), Sewing the Future Project, productive inclusion, circular economy, Bom Jardim neighborhood.

Introdução

Analisando estudo realizado pelo Sinditêxtil-SP (2013), tem-se que o Brasil descarta cerca de 175.000 toneladas ao ano de resíduos têxteis, estimando-se que 90% desse material seja descartado em aterros sanitários ou em locais indevidos, sendo necessária e urgente a condução de ações ecoeficientes, solidárias com as futuras gerações e que promovam renda.

Nos dados coletados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT, 2023), o faturamento da Cadeia Têxtil e de Confecção foi de quase R$190 bilhões em 2021 contra R$ 161 bilhões em 2020, na leitura desses dados, deve-se levar em consideração a pandemia por COVID-19 em 2020. Quanto à empregabilidade, segundo a ABIT (2023), encontra-se diante de 1,34 milhão de empregados formais e 8 milhões se adicionarmos os empregos indiretos e seus efeitos na renda, dos quais 60% são de mão de obra feminina.

Em Fortaleza, segundo estudo realizado pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SDE) em parceria com a Federação das Associações de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (FEMICRO-CE), em 2017, a maior incidência de empresas encontrava-se no setor da confecção, com representatividade de mais de 50% no total, e a grande maioria dos entrevistados afirmou trabalhar com confecções em geral (42,2%) e moda feminina (22,5%), outro dado trazido revela um perfil de gênero na grande área da confecção pois, sem inovar quanto ao perfil, a maior parte de entrevistados identificou-se como sendo do gênero feminino, somando-se 86,2% do total de pessoas ouvidas pela pesquisa, essa mesma categoria também predomina nos estabelecimentos formais (85,8%) e informais (86,4%). (SDE; FEMICRO-CE, 2017).

É nesse contexto que urge a discussão das políticas públicas, no caso em tela, trabalhadas a partir do Projeto Costurando o Futuro, inserido no campo têxtil, promovido pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico. O capítulo está estruturado em cinco tópicos: políticas públicas e sustentabilidade, Projeto Costurando o Futuro e a sua implementação no Bairro Bom Jardim, a avaliação de políticas públicas e, especificamente, a aplicação da Avaliação com Base em Sustentabilidade (ABS) na referida política.

1. Políticas públicas e sustentabilidade

Acerca dos conceitos de políticas públicas, na visão de Souza (2006),

Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como "o que o governo escolhe fazer ou não fazer". A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.

Políticas públicas, nesse ínterim, podem ser conceituadas como ferramentas públicas utilizadas para resolução de problemas coletivos, sendo relevante a atuação do Estado, da sociedade civil, da academia, de agências multilaterais e do setor privado, entre outros atores sociais, no processo de pesquisa e avaliação quanto à sua aplicação. Ao falar de pessoas como cerne de políticas públicas, Sen (2000, p. 334) assevera que

Essa distinção tem uma influência prática significativa sobre a política pública. Embora a prosperidade econômica ajude as pessoas a ter opções mais amplas e a levar uma vida mais gratificante, o mesmo se pode dizer sobre educação, melhores cuidados com a saúde, melhores serviços médicos e outros fatores que influenciam causalmente as liberdades efetivas que as pessoas realmente desfrutam.

Por essa razão, compreende-se que políticas públicas tanto podem como devem construir ações de desenvolvimento social, integrando entre si dimensões de sustentabilidade, a fim de que a desigualdade, a miséria, a injustiça social e o mau uso dos recursos naturais não figurem como única herança de uma geração.

 Nesse sentido, o conceito de sustentabilidade nasce, primordialmente, em dois grandes campos científicos, segundo Veiga (2010): na ecologia e na economia. Compreender que ambas as áreas se comunicam é considerar que o debate acerca de políticas públicas e sustentabilidade deverá ser norteado a partir delas.

Para compreender a forma como a sustentabilidade afeta as mais diversas áreas, Sachs (2002) lista oito dimensões como estratégia alternativa aos modelos econômicos já adotados: social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica, política nacional e política internacional, não havendo prejuízo de nenhuma dimensão em relação à outra. O autor propõe uma visão holística do que representa viver em sociedade e remonta, mediante suas oito dimensões, a revolução agrária e a forma como o "pensar global e agir local" influenciam nossa forma de produzir e descartar. Entende-se que nesse novo paradigma

[...] a palavra desenvolvimento leva em conta não apenas o crescimento da atividade econômica, mas também as melhorias sociais, institucionais e a sustentabilidade ambiental, buscando, em última análise, garantir o bem estar da população a longo prazo, assegurando um meio ambiente saudável para as futuras gerações (IBGE, 2004, p. 332).

A sustentabilidade como abordagem de uma política pública enfatiza que não se deve perder de vista que o debate orbita entre pessoas, recursos naturais e a capacidade de conectar-se coletivamente. Tomando como base o conceito de Sachs, segundo o qual são feitas reflexões sobre raça, gênero e classe (interseccionalidade), entende-se que a Agenda 2030 busca exatamente isso: o diálogo entre as instituições com a finalidade de construir sociedades pacíficas.

2. Projeto Costurando o Futuro

A Prefeitura de Fortaleza, na gestão de José Sarto Nogueira, lançou, como política pública da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico - SDE, em dezembro de 2021, o Projeto Costurando o Futuro (PCF), inicialmente no bairro Bom Jardim, como ação-piloto de promoção de inclusão produtiva e selo de propagação do conceito de economia criativa, trazendo consigo o arrimo de inovação social (Fortaleza, 2022). Para Manzini (2014), “O termo Inovação Social refere-se a mudanças no modo como indivíduos ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar novas oportunidades”.

O PCF tem a premissa de dialogar com questões complexas como o uso da reciclagem têxtil para criação de novas peças e posterior venda dos produtos, favorecendo a circularidade desses componentes têxteis e de mão-de-obra, cuja complexidade esbarra na indústria da moda que tem quase 200 anos no Brasil. Vale ressaltar que o projeto pretende contribuir para o desenvolvimento de ações dos Planos Confecções e Economia Criativa, do Plano Fortaleza 2040 (Prefeitura de Fortaleza, 2020), que inclui, dentre outras, a melhoria da qualidade e desenvolvimento da moda, da infraestrutura e o desenvolvimento dos territórios criativos. O Plano Fortaleza 2040 é uma Plataforma de integração do Planejamento municipal.

Observa-se grande demanda no município de Fortaleza, considerando o crescimento do nicho e o título de Cidade Criativa do Design, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, adquirido em 2019. Esse selo é gerido pela Vice-Prefeitura de Fortaleza por meio de Élcio Batista.

O Projeto promete ampliar os ateliês de costura para vários territórios da cidade, tanto em espaços cedidos por outros órgãos e secretarias da PMF quanto em unidades modulares (contêineres), oportunizando aos profissionais locais a utilização das máquinas de costura disponíveis gratuitamente, bem como ações de orientação profissional e serviços voltados à geração de emprego e renda.

A SDE, responsável pela política pública de oferta de qualificação profissional, emprego e geração de renda no município de Fortaleza, tem um papel de grande relevância no contexto da retomada econômica atual. A pandemia de Covid-19, além de afetar empreendedores e autônomos de diversos segmentos considerados não-essenciais, ocasionou retração na economia, resultando em altas taxas de desemprego. A proposta da SDE faz parte do que preconiza o Plano Fortaleza 2040, cuja estratégia é implementar outros planos em áreas como mobilidade, planejamento urbano e desenvolvimento econômico e social a curto, médio e longo prazo para “transformar Fortaleza em uma cidade de oportunidades para todos, mais justa e acolhedora, por meio da execução concomitante de um conjunto de 32 Planos específicos”. Para controle e monitoramento das ações do Plano Fortaleza 2040 a gestão municipal usa a plataforma SIGA2040, de acesso gratuito e transparente à população.

O quadro 1 apresenta os eixos estratégicos do Plano Fortaleza 2040 (Prefeitura de Fortaleza, 2020) que guardam maior relação com o Projeto, todos associados aos eixos de sustentabilidade a partir dos objetivos e planos específicos como intermediários.

Quadro 1 - Eixos estratégicos do Plano Fortaleza 2040 e eixos da sustentabilidade

Fonte: Adaptado de Albuquerque e Lima (2023).

No quadro, observa-se que o Plano Fortaleza 2040 busca a promoção de desenvolvimento com base nos mais diversificados pilares. Segundo Sachs (2004, p. 26), tem-se que é preciso “desenhar uma estratégia de desenvolvimento que seja ambientalmente sustentável, economicamente sustentada e socialmente includente”, além de ser preciso gerar empregos decentes e aproximar políticas públicas da população mais vulnerável, podendo ser uma forma de garantir a dignidade dessas pessoas.

Nesse cenário, o PCF encontra-se em execução, até novembro de 2023, nos respectivos bairros (quadro 2):


ATELIÊ

ENDEREÇO

Ateliê da Barra do Ceará

Av. Presidente Castelo Branco, 6417 - Barra do Ceará (INSTITUTO CUCA)

Ateliê do Bom Jardim

Rua Oscar Araripe, 1030 - Bom Jardim (CRE BOM JARDIM)

Ateliê do Canindezinho

Av. Osório de Paiva, 6061 - Canindezinho (CENTRO CULTURAL)

Ateliê do Conjunto Ceará

Av. Alanis Maria Laurindo de Oliveira – Conjunto Ceará (CCDH)

Ateliê do Cristo Redentor

Av. Monsenhor Hélio Campos, 178 - Cristo Redentor ( CCDH)

Ateliê do Jangurussu

Av. Gov. Leonel Alencar Brizola - Jangurussu (INSTITUTO CUCA)

Ateliê do José Walter

Rua 69 - Prefeito José Walter (INSTITUTO CUCA)

Ateliê do Mondubim

Rua Prof. Glauco Lobo - Mondubim (INSTITUTO CUCA)

Ateliê do Vicente Pinzón

Rua Veneza, 100 - Vicente Pinzón (PRACINHA DA CULTURA)

Ateliê do Vila União

Rua Celso Tinoco, 1374 - Vila União (CQP VILA UNIÃO)

Ateliê do Vila Velha

Av. Mozart Lucena- Praça do Polar, s/n - Vila Velha (PRAÇA DO POLAR)

Fonte: Prefeitura de Fortaleza (2023).

Dentro dos ateliês, são disponibilizadas máquinas de costura de tipos industriais e domésticas, além de mesa de corte. Os usuários dos ateliês usam o espaço de forma colaborativa, não sendo estabelecido pré-requisito para as usuárias. O perfil das costureiras é de pessoas que já possuem conhecimentos básicos na área da confecção e de pessoas sem conhecimento básico de costura, sendo também o ambiente utilizado para a realização de palestras e oficinas pertinentes à prática profissional, ao mundo do trabalho e à geração de emprego e renda.

Cada ateliê é monitorado por um colaborador da prefeitura que, semanalmente, envia à gestão: a) frequência diária; b) índice de cadastro de voluntários para ministrar oficinas; c) local onde o servidor fez divulgação do Projeto; c) inscrições para expor no box do Ateliê na Beira Mar e d) inscrições em outros projetos e programas da SDE, além de mensalmente informar o cronograma mensal de cada espaço colaborativo.

Nesse ínterim, é preciso compreender as dimensões territorial e social do primeiro bairro no qual o projeto foi instalado e qual a relação do bairro com o perfil da política pública em análise.

3. O bairro Bom Jardim e o ateliê do Projeto Costurando o Futuro

O território do Grande Bom Jardim (GBJ), apresentado na figura 1, é formado por cinco bairros oficialmente, quais sejam: o Bom Jardim, o Canindezinho, a Granja Lisboa, a Granja Portugal e o Siqueira. Segundo o Censo de 2010 (IBGE, 2010), a região é habitada por 204 mil pessoas distribuídas em 56 mil unidades habitacionais, fazendo fronteira com Caucaia e Maracanaú.

Figura 1 - Localização do Bairro Bom Jardim

Fonte: Fóruns Territoriais de Fortaleza (2023).

De acordo com o Diagnóstico Sócio Participativo do Grande Bom Jardim (GPDU/CDVHS, 2004), o Grande Bom Jardim era formado por propriedades rurais na década de 1950. A região foi loteada pela Caixa Econômica Federal que, por sua vez, revendeu os lotes com casas a preços populares construídos, sendo uma ação de contemplar a demanda populacional de Fortaleza, historicamente marcada por grande concentração populacional e pobreza. Acerca do processo migratório no território escolhido para estudo, segundo Paiva (2007, p. 37):

[...] nas décadas de 1970 e 1980, com o êxodo rural e a busca de aquisição de imóveis para morar por parte dos segmentos mais pobres da cidade de Fortaleza, o Bom Jardim experimentou um processo intenso de invasões de terrenos no interior do Bairro.

Esse processo intensivo de invasões a terrenos deu-se, em grande medida, num dos principais empreendimentos imobiliários da região pertencentes à família Frota Gentil. Esse empreendimento era dedicado aos imigrantes vindos do interior do Ceará, oportunidade em que substituíram a agricultura pelo trabalho nas fábricas da cidade, entre outras atividades, para sobreviver na capital. (Albuquerque, 2023).

Para compreender o bairro Bom Jardim de modo político e urbano, territorialmente, é preciso entender que se trata de um bairro de ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social, as quais são espaços territoriais destinados, em grande medida, à promoção de moradia digna às pessoas socialmente vulneráveis por meio de intervenções urbanísticas, projetos de recuperação do meio ambiente e regularização fundiária (Zonas Especiais Fortaleza, 2023).

O Conselho Gestor da ZEIS Bom Jardim foi fundado pelo Decreto nº 14.211/2018 (Fortaleza, 2018), documento que também regula a composição e a eleição dos Conselhos Gestores das ZEIS 1 e 2, balizados pela Lei nº 062/2009 - Plano Diretor Participativo - (Fortaleza, 2009), sendo o bairro Pici classificado como ZEIS 1, conforme a Lei supracitada.

Dos 24 itens propostos pelo Plano Integrado de Regularização Fundiária (PIRF) realizado em 2019, na categoria “Geração de Trabalho e Renda”, está a proposta de “Ações de educação financeira com concepção pedagógica adequada ao perfil dos gestores dos empreendimentos de economia solidária e estímulo a iniciativas grupais de finanças solidárias, tais como grupos de poupança, clubes de troca, moeda social, fundos rotativos” (IPLANFOR; Fundação CETREDE; UFC, 2019).

Em resumo, antes de o Projeto ser instalado, a comunidade local já apresentava compreensão de que havia empreendimentos com viés de economia solidária que, na prática, remetem a um modelo de autogestão de atividades econômicas pelos membros da empresa de forma democrática (SEBRAE, 2023).

Essa análise aponta o perfil econômico do bairro voltado para o comércio, além de despertar a necessidade de compreender como empreendimentos na área da moda impactam na vida das pessoas a partir de ações e políticas públicas locais.

O Grande Bom Jardim, foi a primeira região de Fortaleza a receber um Ateliê do Projeto Costurando o Futuro; engloba 8,33% da população de Fortaleza, integrando a Secretaria Executiva Regional 5, e possui Índice de Desenvolvimento Humano dos Bairros (IDH-B) equivalente a 0,194; o IDH-B pode variar entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximo de zero, menor é o indicador para os quesitos de saúde, educação e renda. Quanto mais próximo de 1, melhores são as condições para esses quesitos. (Prefeitura de Fortaleza, 2023; SDE, s/d; CCBJ, 2023).

É no GBJ que está inserida a Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim (Rede DLIS do GBJ), cujas entidades podem ser localizadas na figura 2, é o conjunto de entidades da sociedade civil que tem por prerrogativa propor, avaliar e monitorar políticas públicas na comunidade. No ano de 2005, o GBJ sediou a II Conferência de Desenvolvimento Sustentável do Grande Bom Jardim, onde pode-se aprovar “Planos Estruturantes para o desenvolvimento local dos bairros do Grande Bom Jardim” (Machado; Faustino, 2018).

Essa Rede permite ao GBJ a experiência de que as complexidades territoriais estão aliadas à força coletiva das associações locais, “como premissa que as relações (ou laços) sociais estabelecidos por indivíduos, atores coletivos, associações ou organizações e instituições (e entre eles) constituem o elemento por excelência de estruturação da vida social” (Carlos, 2011, p. 154).

Machado e Pereira (2020) abordam "Ciclos do movimento popular no Grande Bom Jardim", onde a Rede está enraizada, quais sejam: "o primeiro ciclo envolve as associações comunitárias tradicionais, o segundo ciclo, que se articula à presença de várias congregações religiosas progressistas, o terceiro ciclo é aqui denominado comunidades de comunidades, o quarto ciclo envolve a emergência das organizações da sociedade civil, o quinto ciclo, que podemos aqui nomear como redes de agentes populares, o sexto ciclo envolve a emergência dos coletivos de juventudes".

Alheio à Rede do GBJ, o Projeto está situado no primeiro andar do Jardim Shopping, localizado na Avenida Oscar Araripe, número 1030, Bom Jardim, tratando-se de imóvel alugado pelo poder público.

O espaço térreo possui guichês de atendimento das políticas públicas de desenvolvimento econômico da Prefeitura e o primeiro andar abrange o ateliê e algumas salas de aula, funcionando das 8 horas da manhã até meio dia, com pausa para almoço, podendo permanecer aberto, caso o beneficiário não queira interromper a produção. No turno da tarde, funciona das 13 horas às 17 horas, impreterivelmente.

Para falar de espaço físico do Projeto é imprescindível considerar que, historicamente, o Bom Jardim é marcado pela violência urbana. Segundo o site do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ, 2023), entre 2007 e 2009, o bairro destacou-se, negativamente, pelos altos índices de assassinatos, em grande medida, o alvo principal eram jovens, do sexo masculino, entre 15 e 29 anos, totalizando 60% dos 312 assassinatos registrados naquele período.

No início de 2020, o Fórum de Escolas pela Paz do Grande Bom Jardim (FEPGBJ), apresentou um documento à vice-governadoria, solicitando respostas e ações do Estado com a finalidade de prevenir homicídios na região, principalmente, face aos jovens e adolescentes no GBJ. Um dos itens do documento apresentado pelo Fórum desenhava a complexidade vulnerável de idas e vindas dos moradores em territórios faccionados da comunidade (Cavalcante et al., 2021).

O FEPGBJ é resultado da união de 12 escolas estaduais, organizações do Terceiro Setor no GBJ, órgãis do Governo do Estado do Ceará e o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ). O Fórum é apoiado pelo VIESESUFC e pelo Laboratório em Psicologia, Subjetividade e Sociedade da UFC (LAPSUS-UFC). Essa conexão entre diversas organizações traduz o poder de conexão e os emaranhados sociais que são construídos a partir das vulnerabilidades sociais apresentadas pelo GBJ, visto que “se reúnem para exigir reconhecimento e valorização, uma justiça mais abrangente que um direito específico, mas um direito à liberdade e à visibilidade política” (Butler, 2018, p. 33).

O Relatório/Mapa Participativo de Enfrentamento à Fome no Grande Bom Jardim (Machado et al., 2022), mapeou, recentemente, as áreas mais vulneráveis no território, sobressaindo-se o Canal Leste e o Pantanal no bairro Bom Jardim.

Um fato curioso sobre o bairro são as iniciativas da sociedade civil no que diz respeito ao combate à fome, visto que, segundo o Relatório/Mapa foram mapeadas 19 Cozinhas Comunitárias no GBJ (Machado et al., 2022).

Compreende-se, então, que de certo modo, a localização do ateliê no bairro é estratégica, visto que está localizado numa das principais ruas da região, um corredor de pequenos comércios, vigiado por câmeras de segurança no espaço externo do equipamento. É salutar considerar que câmeras de segurança não constrangem tanto quanto constrangiam há 10 anos atrás, mas registra com imagens o fluxo de pessoas no local.

Ao aplicar as perguntas, a servidora local informou haver mulheres vítimas de violência doméstica no local, inclusive, com ameaça à vida, no ateliê, mas que ao compartilhar a informação entre as mulheres, foi criada rede de empoderamento entre as companheiras para que a beneficiária não desistisse do Projeto nem renunciasse à sua autonomia financeira, ao vender o que produz no espaço colaborativo.

4. Avaliação de políticas públicas

Silva (2014) considera que a pesquisa avaliativa desempenha três funções principais: técnica, política e acadêmica, observando que a repercussão da avaliação iniciou seus caminhos com traços fiscalizatórios e policialescos. Guba e Lincoln (2011, p. 86) asseveram que

Faz sentido considerar os interesses de todos os grupos que são colocados em riscos por qualquer avaliação. Faz sentido também proteger os interesses dos menos influentes contra a usurpação por parte dos mais influentes, como parte essencial do processo. Desse modo, a mudança de avaliação direcionada ao cliente para a avaliação direcionada ao consumidor e deste para o grupo de interesse não é tão sensível quanto alguém possa a princípio ser levado a acreditar, sem alguma percepção da história do desenvolvimento da avaliação enquanto disciplina. Essa mudança pode tornar a avaliação um processo mais complexo e desordenado, mas não um processo essencialmente distinto.

Enxergar a avaliação como um processo em constante construção colaciona-se à teoria de que o Estado, a partir das novas vertentes de avaliação de políticas públicas, passa a considerar novos atores e atrizes no processo de gestão de interesses e demandas locais, visto que podem ser encontrados no paradigma da "Nova Gestão Pública".

Esses traços neoliberais, identificados por Gussi e Oliveira (2016), podem imbricar em duas interpretações, sem esgotar tantas outras possíveis. A primeira é, quando permite novos atores na gestão pública, a avaliação permite, desta feita, descentralizar as atividades, as pressões e os interesses envolvidos. A segunda e, nesta breve análise, última, é contra hegemônica, pois permite ao Terceiro Setor a interlocução nas discussões políticas, com o surgimento de novas pautas e o fracionamento do viés administrativo, regulatório e gerencial do Estado.

Como forma de visualizar analiticamente os três valores (eficiência, eficácia e efetividade) em política pública, colaciona-se conceitos de Arretche (2013, p. 128-131), de acordo com o qual compreende-se efetividade como "[...] o exame da relação entre a implementação de um determinado programa e seus impactos e/ou resultados", como eficácia "[...] entende-se a avaliação da relação entre os objetivos e instrumentos explícitos de um dado programa e seus resultados efetivos" e, para compreender eficiência, a autora considera a avaliação como uma relação "[...] entre o esforço empregado na implementação de uma dada política e os resultados alcançados".

Januzzi (2016) traz contribuições para o debate em virtude de afirmar que a "subjetividade e a parcialidade estão implícitas nas avaliações de programas", expondo os conceitos de justiça social e como chegar até ela pela ótica do agente avaliador. Com a descentralização das funções do Estado, Januzzi (2022, p. 258) afirma que está-se diante de um processo de "desregulamentação e descentralização da prestação de serviços públicos". Assim, compreende-se avaliação a partir da premissa de que “[...] avalia-se para conhecer e desta forma tal perspectiva retira o foco da avaliação dos atendimentos aos objetivos da política e centra-se no processo de sua concretização, ou seja, a vivência da política” (Rodrigues, 2008, p. 48).  

Cabe pontuar que, até a década de 1930, segundo Fischer (1984, p. 278),

O administrador público era considerado um mero executor de políticas, dentro de princípios de eficiência, considerados não apenas o fim do sistema, mas também a medida de eficácia do mesmo. A partir dos anos 30 e da Primeira Guerra Mundial, o crescimento do aparato estatal influiu na mudança do conceito de administrador, já então percebido como formulador de políticas públicas.

O processo de avaliação de políticas públicas não pode ser encarado meramente como uma ação técnica, mas sim como uma ação em que o administrador público é enxergado como ator político, posto que analisa criticamente diversos elementos sobre o mesmo interesse. Durante todo o processo, o administrador deverá considerar que a tomada de decisões “[...] fundamenta-se em valores e concepções sobre a realidade social partilhados pelos sujeitos da avaliação: demandantes, avaliadores, beneficiários e informantes; e contrapõe-se à ideia de neutralidade, não percorrendo um caminho único” (Silva, 2008, p. 114).

4.1 Avaliação com Base em Sustentabilidade e sua aplicação no Projeto Costurando o Futuro

A avaliação de políticas públicas de acordo com as metas da Agenda 2030, no contexto brasileiro, dialoga com novas estratégias de se enxergar a ordem econômica mundial e propõe o rompimento com antigas formas de alcançar os resultados de uma política. Por essa razão, faz-se uso da Avaliação com Base na Sustentabilidade (ABS), visto que seus pilares estão também ancorados na Agenda 21 (ONU, 2015).

Chacon e Nascimento (2020) consideram que a ABS visa trazer contribuições às estratégias de avaliação de políticas públicas que dialoguem com as complexidades que envolvem as relações e as demandas sociais. Essa avaliação deve ter como dimensões precípuas determinar se a política pública promove: solidariedade inter e intrageracional; superação da desigualdade em suas diversas manifestações; minimização dos danos à natureza, buscando a ecoeficiência baseada no princípio da precaução e na prevenção; e democracia participativa e a educação para a paz e para a sustentabilidade.

Desse modo, o Projeto Costurando o Futuro pode ser avaliado a partir de uma abordagem inovadora como a ABS, devendo-se verificar se, de fato, concretiza transformações sociais consideráveis quanto aos objetivos que se propôs a executar. Portanto, enunciados os critérios da ABS, segue-se à sua aplicação no Projeto Costurando o Futuro enquanto política pública, dividindo o texto em quatro aspectos, cada qual associada a uma das dimensões mencionadas pela ABS: social, ambiental, econômica e político-institucional.

Nos tópicos a seguir, são trazidos os relatos gerados a partir das entrevistas, as quais foram realizadas no próprio espaço do projeto e agendadas a partir do horário disponível das participantes. Por essa razão, foram usados os dois turnos de uso do Ateliê Bom Jardim, manhã e tarde. Para fins de garantir o anonimato das pessoas entrevistadas, nos trechos dos relatos das entrevistas, os nomes das entrevistadas foram substituídos por nomes fictícios relacionados à costura.

Como o Ateliê é gerenciado de forma imediata por uma servidora pública, Rosângela Silva, a presença dela durante a realização das entrevistas foi essencial para melhor condução das perguntas e sugestões quanto à abordagem mais adequada para cada uma das entrevistadas, haja vista os diversos perfis em convivência no mesmo espaço. Em seguida, será realizada a análise da primeira dimensão desta proposta de avaliação, em que serão tratados os efeitos sociais da política pública avaliada.

a.        Dimensão social

O público encontrado é predominantemente feminino, contabilizando 87% das entrevistadas, quase metade delas com faixa etária média entre 40 e 44 anos. Quando questionadas sobre o estado civil, mais da metade declarou-se solteira. A situação ocupacional auferida alterna entre mais de 60% declarando-se como autônomas e 33% declararam-se como desempregada. A figura 5 condensa os dados coletados nessa etapa.

Figura 5 - Características de gênero, faixa etária, estado civil e situação ocupacional das participantes



Fonte: Elaborada pela autora.

Quase 90% do total declarou viver há mais de 20 anos no território do Bom Jardim, subdividindo-se entre 60% delas residindo em imóvel próprio e 40% em imóveis alugados. No que diz respeito à escolaridade, 60% delas informaram ter o ensino médio completo, 27% ensino fundamental; poucas respostas informaram que alguma das entrevistadas tinha ensino superior completo ou em andamento. Os dados complementares foram apresentados na figura 6.









Figura 6 - Dados complementares sobre as participantes




Fonte: Elaborada pela autora.

Um panorama interessante para compreender o perfil de escolaridade das atrizes entrevistadas, é a taxa de pessoas não alfabetizadas com 05 anos ou mais residentes nos bairros da Região do Grande Bom Jardim, respectivamente, Bom Jardim 12,06%, Canindezinho 12,97%, Granja Lisboa 13,15%, Granja Portugal 14,44% e Siqueira 14,57%. Estas proporções são maiores do que as do Brasil (10,92) e as de Fortaleza (8,36), segundo dados do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ, 2023).

A Algodão reside no território estudado há mais de 20 anos e, quando questionada sobre o uso do espaço e dos resíduos têxteis, comentou que "Quanto ao uso dos resíduos foi muito bom, tanto eu vim pra vender pra mim eu fiz para mim e pros meus filhos aumentar a renda. Depois que eu soube que existia esse ateliê eu vim até aqui, porque eu trabalhava com máquinas alugadas, incluindo as máquinas que eu não podia nem alugar, eu tava ganhando, vamos supor de 10% a 100%, e hoje eu usando aqui, aumentou a 70%".

Veludo, enquanto falava sobre o uso do espaço para confecção de itens para uso pessoal, sem fins lucrativos, trouxe a informação de que, entre as costureiras, há troca de saberes: "Consegui fazer blusas, colcha de cama, coisas que eu não sabia fazer e aprendi. Porque eu aprendi a mexer nas máquinas, que eu não sabia usar algumas delas e tá me ajudando bastante nessa caminhada".

Durante as entrevistas, no momento de intervalo entre uso das máquinas, as mulheres relataram que, durante a Pandemia por COVID-19 em 2020, tiveram que se desfazer das máquinas de costura que haviam adquirido após anos de trabalho em fábricas de confecção. É importante pontuar que há homens utilizando em igual condição o ateliê.

Lamentaram o valor de energia que pagavam e do valor pago para alugar uma máquina de costura, fato bem concentrado no discurso da Poliamida, que disse: "Eu consegui minhas máquinas de volta, que eu tinha vendido, vim através do projeto e agora eu já to com minhas máquinas em casa, mas continuo dentro do ateliê e só saio daqui quando for fechado".

A necessidade de locação de maquinário foi novamente mencionada. Quando Sarja foi questionada sobre o uso no Projeto, além da economia de energia, informou: "Hoje eu precisei de linha e me emprestaram, hoje eu vim e não tinha linha. Seria muito bom se as pessoas fizessem mais doações. Eu trabalhava numa área e vi que a demanda era muito grande a respeito do que estava vendendo e eu tive a oportunidade de estar no curso das mulheres guerreiras e a R. foi anunciar na sala a respeito do ateliê. Depois que eu comecei a fazer minhas peças e vender, foi muito bom porque até a economia de energia na minha casa".

O curso citado pela entrevistada é uma política pública da Prefeitura de Fortaleza que empresta crédito para compra de equipamentos, materiais e insumos, com carência de seis meses e pagamento em até 30 meses, sem juros. O termo curso foi citado porque é realizada uma capacitação de curta duração, oito horas, para que as beneficiárias aprendam a fazer o plano de negócios. Este item é necessário, como documentação, para solicitação do empréstimo.

Quanto à dimensão solidariedade inter e intrageracional, “justificada pelo postulado ético de solidariedade intrageracional e de equidade, materializada em um contrato social” (Sachs, 1995), o Projeto propôs promover estrutura de uso coletivo sem distinção de classe, raça, cor e gênero a pessoas de diferentes territórios, mesmo que afastados do Ateliê Bom Jardim.

Faz-se necessário pontuar que se trata de um direito fundamental estar inserido em políticas públicas que proponham redução das desigualdades sociais, direito esse que está posto na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º inicia o Título II, chamado “Dos direitos e garantias fundamentais” e estabelece os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (Brasil, 1988).

Verificou-se que foi efetivada a proposta, mas poderia haver maior reflexão sobre a necessidade de se adquirir novas máquinas a fim de ampliar o total de pessoas contempladas pelo Projeto, trocar as máquinas quebradas ou obsoletas em relação ao tipo de demanda que o mercado solicita, aumentando, dessa forma,  o potencial de trabalho e geração de renda, o que, consequentemente, poderia contribuir para autonomia mais sólida, treinar a servidora pública que monitora o local para lidar com outras políticas públicas e encaminhar para outras iniciativas, como as de Terceiro Setor.

Há cartazes de outras políticas públicas da Prefeitura de Fortaleza no ateliê Bom Jardim, entretanto, não há diálogo imediato com outras políticas de outras secretarias municipais. Nesse contexto, inicia-se a análise da dimensão ambiental, que tem por objetivo avaliar os efeitos ambientais da política.

b.        Dimensão ambiental

Quanto ao uso dos resíduos têxteis, as entrevistadas responderam perguntas sobre o uso do resíduo na confecção e venda dos produtos (figura 7 e 8). À medida que foram perguntadas quanto à venda de produtos manufaturados dentro do ateliê, todas as beneficiárias alegaram ter vendido o que produziram.

Figura 7 - Utilização de resíduos na produção de produtos

Fonte: Elaborada pela autora.

A Lã contou sobre o processo de construção de peças: "Eu já usufrui de vários tipos, já fiz umas colcha de cama, já fiz umas blusinha e várias coisas que eu não tinha nem ideia de como era pra fazer e eu acabei fazendo. Minha renda alterou um pouco".

Para Seda, o uso do material doado ao Projeto tem outra função: "Olha, foi muito bom, porque a gente utiliza retalho, elástico [...] faço colcha de cama para mim, fiz blusa para minhas filhas. Não vendi, mas foi pro meu uso e foi muito útil", complementando depois "Eu confecciono peças para uma fábrica e aí foi uma oportunidade muito legal, porque a gente tá economizando energia. Eu confecciono, vendo as peças e recebo dinheiro. Mesmo com máquinas em casa, vou pro ateliê".

Todas as entrevistadas responderam ter utilizado resíduos têxteis em algum momento da produção de peças, entretanto, Linho fez uma ponderação acerca do volume de retalhos colocados à disposição das costureiras: "[...] seria muito bom se tivesse mais doações".

Há iniciativas que enxergam nos resíduos um potencial muito interessante, como é o caso do “Banco do Vestuário”, iniciativa da Prefeitura de Caxias do Sul (2023). Por meio da Fundação Caxias, o Banco recebe como doação resíduos têxteis da indústria, tais como rolos de tecido, retalhos em boas condições, medindo, no mínimo, 30x30 cm, além de receberem aviamentos, linhas de lã e máquinas de costura (Ross; Silva; Carli, 2012).

Essa iniciativa propõe a promoção da ecoeficiência de forma macro e movimenta iniciativas da sociedade civil, do terceiro setor e do poder privado.

Segundo Sisinno, Rizzo e Santos (2011), a ecoeficiência aplicada ao gerenciamento dos resíduos sólidos visa a: reduzir a geração de resíduos sólidos, identificando, eliminando ou monitorando as fontes de geração;  reduzir a geração de resíduos sólidos perigosos, substituindo matérias-primas ou insumos tóxicos; reduzir os custos relacionados ao gerenciamento/tratamento dos resíduos inevitavelmente gerados;  reduzir a ocorrência de áreas impactadas pela disposição inadequada de resíduos sólidos;  reduzir a ocorrência de áreas comprometidas pela disposição de resíduos sólidos; e reduzir os riscos ambientais e ocupacionais relacionados às atividades de gerenciamento de resíduos/áreas impactadas.

Propor a conexão entre resíduos têxteis e ecoeficiência significa apoiar o processo de emancipação do cidadão, uma vez que a ele será ofertada a chance de compreender os impactos do uso indiscriminado do material de produção. Além de proporcionar uma mudança de cultura, seja no ambiente de trabalho ou em casa, quanto à utilização de recursos naturais.

Quanto à dimensão minimização dos danos à natureza, buscando a ecoeficiência baseada no princípio da precaução e na prevenção, a proposta de reutilização de resíduos têxteis cumpriu o que se propôs. Os resíduos têxteis são doados por pequenas indústrias inseridas próximo aos ateliês. Está-se diante de uma perspectiva da circularidade e da cooperação dessas pequenas iniciativas produtivas entre o setor público, privado e a sociedade civil na redução dos impactos ambientais, já que tem um movimento de dependência do encaminhamento dos resíduos para a política pública.

A distribuição dos retalhos e tecidos é realizada em todos os ateliês, principalmente no bairro Bom Jardim. A produção local destina-se, em grande maioria, a tapetes, trapos, sutiãs, croppeds, calcinhas, itens de decoração como bonecas de pano, animais de estimação e bolsas. Observa-se que há um diálogo educativo da servidora local com os usuários do ateliê, quanto ao uso cuidadoso e consciente do material disponível.

Quando questionada sobre controle de saída dos resíduos têxteis, foi informado pelas costureiras que não havia limitação por quilo de peças ou tipo de tecido, podendo ser observado que há estímulo à circularidade, mas sem muita clareza sobre como são esses processos dentro da política pública avaliada ou como as ações do projeto poderiam reduzir de forma mais intensiva os impactos ambientais.

Promover momentos em parceria com a Autarquia de Paisagismo e Urbanismo de Fortaleza (Prefeitura de Fortaleza, 2023), que tem por competência a conservação e manutenção do ambiente natural da cidade de Fortaleza, por exemplo, para dialogar sobre circularidade e seus impactos no bairro, na prevenção de alagamentos, de poluição.

Esse processo de tomada de consciência, para as costureiras/beneficiárias do projeto em torno das potencialidades do projeto e do envolvimento delas nesse processo de redução dos impactos é crucial para a durabilidade do projeto e da proposta de promoção de sustentabilidade, dentro da dimensão ambiental, neste caso.

Diante disso, inicia-se a análise da dimensão econômica, cujo principal escopo será avaliar o desenvolvimento econômico provocado pelo Projeto Costurando o Futuro.

c.        Dimensão econômica

Em relação à venda dos artigos fabricados no Projeto, as atrizes envolvidas responderam sobre qual a média de preço que conseguiram vender os objetos criados – figura 9. Os preços listados em pergunta variaram de R$ 1,00 (um real) a R$ 1.000,00 (hum mil reais), porém, as respostas foram: 53,3% das entrevistadas precificaram e venderam suas mercadorias entre R$ 10,00 (dez reais) e R$ 100,00 (cem reais) e 46,7% venderam sob o preço variável entre R$ 1,00 (um real) e R$ 10,00 (dez reais).

Figura 9 - Venda dos produtos e impacto na renda

Fonte: Elaborada pela autora.

A última pergunta da entrevista foi se a renda dessas pessoas foi alterada de alguma forma após a venda dos artefatos criados em ateliê e 100% das entrevistadas responderam que sim. Algumas entrevistadas alegaram economia de energia pelo uso reiterado das máquinas de costura no ateliê, como diz Malha: "A mudança foi que a economia da energia na minha casa. A experiência que aqui eu fabrico minhas peças, a gente é presenteada com o box na beira mar, vendo minhas peças lá também".

A entrevistada Viscose informa que foi presenteada com um box na orla da Beira Mar de Fortaleza, este comentário foi realizado porque a Prefeitura de Fortaleza, além do espaço físico dentro do território, disponibiliza um box exclusivo para uso rotativo pelas beneficiárias do Projeto. A oportunidade é dada mediante prévio cadastro, sendo necessário preenchimento de formulário requerendo uma vaga; a seleção é por ordem de inscrição e o uso se dá durante uma semana das 16 horas até as 22 horas.

Em grande medida, segundo Sachs (2004), o processo de crescimento econômico fomentado pelas forças de mercado resulta, mesmo quando é bem-sucedido do ponto de vista econômico, em repercussões sociais danosas: vulnerabilidades sociais se agravam, a riqueza se concentra nas mãos de uma minoria, à medida que uma parcela considerável da população é marginalizada.

Quanto à dimensão superação da desigualdade em suas diversas manifestações, o PCF consegue garantir ferramenta de trabalho a pessoas sem muita experiência com economia criativa, inserindo as pessoas cadastradas em outras políticas da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico (SDE), como o Programa Fortaleza Mais Futuro, entre outros programas de capacitação, emprego e renda.

A economia criativa, segundo o Observatório da Fundação Itaú Cultural (2023), gerou aumento de 4% no seu nível de emprego entre o 4º trimestre de 2022 e o 4º trimestre de 2021, foram gerados 308 mil novos postos de trabalho. A evolução desses dados pode ser observada nas figuras 10 e 11:

Figura 10 - Trabalhadores da economia criativa



Fonte: Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2023).

Figura 11 - Percentual do rendimento médio mensal das mulheres brancas, pretas e pardas em relação ao rendimento médio dos homens brancos - Brasil



Figura 11 - Percentual do rendimento médio mensal das mulheres brancas, pretas e pardas em relação ao rendimento médio dos homens brancos - Brasil

Nesse sentido, é preciso enxergar para além das paredes do Projeto e mensurar as suas reais potencialidades de política pública que encontra suas bases também na economia criativa. Segundo o Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural (2023), estima-se que metade das mulheres pretas e pardas do setor da economia criativa conseguem contribuir com os encargos da previdência social, traduzindo um cenário nacional vulnerável para as minorias sociais.

Pode-se concluir, entretanto, que o Projeto ameniza, mas não reduz desigualdades, ao passo que as questões que envolvem vulnerabilidade e desigualdade social no território em que o Ateliê está instalado são estruturais, interdisciplinares e interinstitucionais, permitindo que esta avaliação seja realizada por intermédio da ABS. Sendo válido salientar que o Projeto Costurando o Futuro, pode, futuramente, contribuir para maior redução de desigualdades e vulnerabilidades, desde que amparado a outras iniciativas, consoante o próximo item.

d.        Dimensão político-institucional

Quanto à dimensão democracia participativa e a educação para a paz e para a sustentabilidade, percebeu-se que parte das mulheres vivenciam diferentes tipos de violência e que o espaço também é arena de debate, rede de apoio e compartilhamento de saberes por meio da costura. Esse movimento pode independer de ação da gestão do ateliê, posto que é criada a partir da simbiose e empatia das pessoas que circulam dentro dele.

Durante as entrevistas desta pesquisa, não ficou claro se os ateliês, antes de serem implantados, dialogavam com políticas e iniciativas locais já existentes, como é o caso de  cartazes divulgando outras políticas, mas não havia maiores informações, retomando a mesma questão enfrentada no início do Governo Tasso Jereissati, quando da implantação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável (CMDS), oportunidade em que eram monitoradas, representadas e articuladas iniciativas de gestão participativa com finalidade de fomentar o desenvolvimento sustentável.

A inclusão dessas atrizes envolvidas no Projeto como processo de gestão participativa dos ateliês consagraria princípios caros à Constituição Federal de 1988, como a cidadania, na qual o artigo 1º prevê que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Brasil, 1988). A dimensão de uma gestão participativa dentro dos ateliês, com vias de promoção de uma educação pacificadora e sustentável, pode romper ciclos de violência e disseminar a emancipação de fato dessas pessoas.

A emancipação é tão relacional como o poder contra o qual se insurge. Não há emancipação em si, mas antes relações emancipatórias, relações que criam um número cada vez maior de relações cada vez mais iguais. As relações emancipatórias desenvolvem-se, portanto, no interior das relações de poder, não como resultado automático de uma qualquer contradição essencial, mas como resultados criados e criativos de contradições criadas e criativas (Santos, 2001).

Durante as entrevistas, pode-se perceber não haver preparo da SDE para o público LGBTQIA+, também presente entre os usuários do ateliê Bom Jardim. A conexão do Projeto com políticas públicas de outras Secretarias municipais e estaduais poderia aproximar direitos, permitir monitoramento de ações e resultados e, ainda, permitir longevidade ao ateliê, configurando um envolvimento interinstitucional sistêmico, capaz de articular órgãos em diferentes áreas temáticas.

Coloca-se em pauta a sustentabilidade política, haja vista que em 2024 haverá novas eleições municipais e uma das questões levantadas pelas atrizes entrevistadas é sobre a continuidade do Projeto. Os anos que marcam as transições de governo são os que mais vulnerabilizam boas políticas públicas, sob a ameaça perene de criar novas ações não necessariamente mais eficazes e de impactos de curta ou média duração.

Freitas (2016) arremata que sustentabilidade é princípio ético-jurídico que oferece condições razoáveis para as gerações atuais e futuras; é valor constitucional supremo além de ser o objetivo fundamental da República (interpretação e prática do Direito). Posto isto, é preciso ponderar sobre para onde irão as máquinas de costura após 2024, quais serão os encaminhamentos institucionais que a SDE sob nova ou sob a mesma gestão dará ao Costurando o Futuro. Questiona-se se não é chegado o momento de um mapeamento qualitativo e quantitativo mais robusto de modo que essas pessoas não fiquem à margem das novas gestões municipais.

Há instituições da sociedade civil que poderiam colaborar com o Projeto (CCBJ, 2023), atualmente, como: Conselho Comunitário Dos Moradores Do Parque Santa Cecília; Coletivo Bom Jardim na Luta; Circulando e Interagindo; Associação Milton Marreiro do Grande Bom Jardim; Projeto Filhos do Rei; Espaço Raio Luz; Associação dos Moradores da Comunidade do Marrocos - AMCM; Rede de Cozinhas Comunitárias do Grande Bom Jardim.

Essas instituições poderiam tanto dar visibilidade ao ateliê dentro do território quanto integrar as programações anuais promovidas por cada uma delas na sua individualidade, além de sinalizar à comunidade local que aquele espaço é seguro e que pode fazer parte da memória afetiva do bairro.

A listagem das instituições supra indicadas foi mapeada pelo Projeto Fortalecendo Redes, do Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) é uma iniciativa gerida pelo Instituto Dragão do Mar (IDM) por meio do Núcleo de Articulação Técnica Especializada – NarTE, e tem por “objetivo de potencializar as iniciativas sociais que atuam no território, fortalecendo o vínculo para além do espaço físico do CCBJ”.

O bairro, além do emaranhado de instituições da sociedade civil, organiza-se quanto às festividades anuais, como a quadrilha junina “Meu Dengo”, criada em 2018, com o objetivo de resgate cultural, estudo das culturas tradicionais e populares do Ceará (Albuquerque, 2023). Quando se fala em integração entre outras políticas, diz-se de ir a fundo no território, entender que esses movimentos de economia criativa podem inclusive fortalecer o trabalho das usuárias do ateliê, como confecção de fantasias e adornos, por exemplo.

Finalmente, essas iniciativas culturais e sociais, como as supracitadas, poderiam alargar as paredes do ateliê Bom Jardim e, mesmo se houver descontinuidade no Projeto, essas pessoas poderão migrar para dentro do próprio território por meio de iniciativas da sociedade civil, do Terceiro Setor, do Estado e do Governo Federal.

Considerações finais

No que diz respeito à verificação quanto à política pública estar pautada na inclusão produtiva ou na economia circular, conclui-se que a avaliação dos resultados acerca da inclusão produtiva levanta mais perguntas do que encontra soluções nas ações esquematizadas pelo Projeto, em que pese afirmar, a política avaliada não está pautada na inclusão produtiva, mas na capacidade das usuárias do ateliê Bom Jardim terem autoestima e se sentirem capazes de transpor as limitações estruturais que as cercam.

Quanto à sustentabilidade, nota-se que não há consciência de fato sobre os reais impactos da atuação do Projeto fora da rede local de economia criativa, além da desconexão com outras políticas do próprio município e do Estado. No local, percebe-se muito mais pessoas com ânsia de aprender o básico com o mínimo de recurso, para conseguirem lucrar o que puderem a fim de sobreviver.

A avaliação do Projeto Costurando o Futuro por meio da ABS permitiu romper com uma visão hegemônica e romantizada de que a mulher vulnerabilizada, para além de todas as limitações de renda, cor e raça, seria a única responsável pela sua condição social.

Se o Projeto Costurando o Futuro, na experiência do Ateliê Bom Jardim, propusesse conexões mais profundas com a comunidade local, com as redes já existentes no território, com as iniciativas frutíferas ou infrutíferas vivenciadas na Região do Grande Bom Jardim, pode-se acreditar no fortalecimento do desenvolvimento econômico, social, de iniciativas de proteção ambiental e pautas político-institucionais explicitados pela ABS. Há uma relação indissolúvel entre desenvolvimento sustentável e políticas públicas e essa relação interdisciplinar contempla dimensões sociais, ambientais, econômicas e político-institucionais dentro do Projeto Costurando o Futuro no Ateliê Bom Jardim.

Entretanto, há de se admitir que o bairro Bom Jardim é um celeiro de economia criativa na cidade e que, apesar da distância até o centro da cidade e da confusão sobre o que de fato o Projeto pode representar, é inegável que a aproximação dessas mulheres as empodera em relação a todo o processo produtivo, desde as mulheres que, após a entrada no Projeto, puderam criar, vender e adquirir a própria máquina de costura, até mulheres que, finalmente, se veem na missão de vender aquilo que produziram, além de criarem novas redes de apoio entre si, de ordem psicológica, cultural, econômica e territorial.

 


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