Alternativas à prisão civil do devedor de alimentos na ordem jurídica brasileira

Alternativas al encarcelamiento civil del deudor de alimentos en el ordenamiento jurídico brasileño

Alternatives to civil imprisonment of the maintenance debtor in the brazilian legal system

Paulo Henrique Pereira
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
pauloph04@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0002-0431-0730


Fecha de Recepción: 3 de septiembre de 2023
Fecha de Aceptación: 14 de octubre de 2023
Fecha de Publicación: 29 de diciembre de 2023

Financiamiento:
La investigación fue autofinanciada por los autores.

Conflictos de interés:
Los autores declaran no presentar conflicto de interés.

Correspondencia:
Nombres y Apellidos: Paulo Henrique Pereira
Correo electrónico: pauloph04@yahoo.com.br
Dirección postal:
Brasil

Resumo

O presente artigo tem por objetivo examinar a prisão do devedor de alimentos no Brasil, com base na Constituição Federal de 1988 e no Pacto de São José da Costa Rica, para avaliar se está de acordo com a evolução social e se há alternativas a forçar o devedor ao pagamento, sem lhe atacar o direito à liberdade. A pesquisa é bibliográfica, mediante consulta às leis, doutrina e decisões judiciais, usando o método dedutivo, examinando um contexto geral para chegar a conclusões particulares, para demonstrar a importância de se reavaliar esse instituto.

Palavras-chave: Dignidade humana, Execução de pensão alimentícia, Pacto de São José da Costa Rica. Prisão.

Resumen

Este artículo tiene como objetivo examinar el arresto de deudores de alimentos en Brasil, con base en la Constitución Federal de 1988 y el Pacto de São José da Costa Rica, para evaluar si está de acuerdo con la evolución social y si existen alternativas a obligar al deudor a pago, sin atacar su derecho a la libertad. La investigación es bibliográfica, mediante la consulta de leyes, doctrina y decisiones judiciales, utilizando un método deductivo, examinando un contexto general para llegar a conclusiones particulares, para demostrar la importancia de reevaluar este instituto.

Palabras-clave: Dignidad humana, Ejecución de pensión alimenticia, Pacto de San José de Costa Rica. Prisión.

Abstract

This article aims to examine the arrest of child support debtors in Brazil, based on the Federal Constitution of 1988 and the Pact of São José da Costa Rica, to assess whether it is in accordance with social evolution and whether there are alternatives to forcing the debtor payment, without attacking his right to freedom. The research is bibliographical, by consulting the laws, doctrine and judicial decisions, using the deductive method, examining a general context to reach particular conclusions, to demonstrate the importance of reevaluating this institute.

Keywords Human dignity, Enforcement of child support, Pact of San José de Costa Rica. Prison.

Introdução

A liberdade é da essência do ser humano, e a sua privação tem se constituído em poderoso instrumento de persuasão comportamental por parte do Estado. Daí a utilização, em grande escala, da prisão no preceito secundário da norma penal, com caráter preventivo, punitivo e pedagógico.

Contudo, o Direito Penal moderno tem se mostrado refratário ao cerceamento da liberdade como principal consequência à infração da norma penal. Correntes doutrinárias que pregam maior utilização de penas alternativas não privativas de liberdade, ou mesmo a despenalização para alguns crimes, têm ganhado força e aceitação no ordenamento jurídico brasileiro. Basta ver as alterações legislativas reducionistas das penas privativas de liberdade, ocorridas no final do século XX, para se detectar um movimento que aponta no sentido de se reduzir ao estritamente necessário as penas prisionais.

Esse movimento político de se reservar a pena privativa de liberdade em regime fechado para os casos estritamente necessários decorre não só da superlotação dos presídios e do resultado ineficaz na reabilitação dos presos, mas também de um contraponto da maior valorização dos direitos humanos e das liberdades individuais, com o entendimento cada vez mais forte de que o homem é um ser que nasceu para ser livre, e assim deve viver no curso de sua vida.

A Constituição Federal de 1988, chamada “Constituição Cidadã” por ser pródiga em direitos e garantias fundamentais, prevê, parece que num contraponto aos preceitos garantidores da cidadania, a possibilidade de prisão civil por dívida, nos casos de devedor de obrigação alimentícia, e a do depositário infiel.

Essa situação, de se permitir a prisão civil, parece não se ajustar a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando que é regra em sistemas jurídicos que primam pela dignidade da pessoa humana que a cobrança de dívida deva atingir o patrimônio do devedor; além do que a prisão civil estabelecida em lei, por só poder ser cumprida em regime fechado, é até mais gravosa que a prisão do Direito Penal.

Este artigo trata da prisão civil por atraso em obrigação alimentícia, trazendo a posição dos tribunais superiores e da doutrina, e apresentando alternativas a esse modelo de opressão física do devedor de alimentos.

O procedimento metodológico é de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, utilizando-se de pesquisa bibliográfica, em artigos científicos, e documental, em consultas à legislação nacional e tratados internacionais disponíveis em sítios da rede mundial de computadores. O método é dedutivo, pois se examina premissas gerais constantes em diplomas normativos, para se chegar a conclusões particulares.

2 A prisão civil na ordem constitucional

A prisão civil já vinha sendo admitida na ordem jurídica nacional em casos específicos, inclusive com decisões favoráveis do Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal de 1988 só deu conformidade ao que já existia, regrando, em seu artigo 5º, LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”[1] O texto constitucional não deixa dúvidas sobre a prisão civil em nosso ordenamento jurídico, que só teria cabimento em duas situações: a do devedor de pensão alimentícia e a do depositário infiel.

O ordenamento infraconstitucional, já antes da Constituição Federal de 1988, regrava duas situações de prisão civil, uma relacionada ao Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969[2], que em seu artigo 4º possibilitava ao credor a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, sendo que a ação de depósito do Código de Processo Civil vigente à época estabelecia:

“Art. 904. Julgada procedente a ação, ordenará o juiz a expedição de mandado para entrega, em 24 (vinte e quatro) horas, da coisa ou do equivalente em dinheiro.

Parágrafo único. Não sendo cumprido o mandado, o juiz decretará a prisão do depositário infiel.”[3]

O Código de Processo Civil que vigia à época da promulgação da Constituição Federal de 1988 também já previa a prisão civil do alimentante que não honrasse o pagamento da pensão alimentícia, dispondo:

 “Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixe os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 1º se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1(um) a 3 (três) meses.”[4]

Esses dois exemplos de prisão civil previstos no ordenamento infraconstitucional retratam que ao Constituição de 1988 deu conformidade aos casos de prisão civil decorrentes de depósito infiel e inadimplemento de pensão alimentícia, recepcionando a legislação sobre o tema, o que era, inclusive, corroborado por decisões do Supremo Tribunal Federal, como se observa nas seguintes ementas:

“EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO. PENAL. PROCESSO PENAL. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL (D.L. 911/69). PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO.”[5]

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. PENAL. PRISÃO CIVIL. RESPONSÁVEL PELO INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA. C.F., ART. 5º, LXVII. I. – A Constituição art. 5º, LXVII e a lei processual CPC, art. 733, parág. 1º autorizam a prisão civil do responsável pelo inadimplemento de obrigação alimentícia, certo que as prestações devidas, que autorizam a prisão, como forma de forçar o cumprimento da obrigação, são as prestações não pagas, assim pretéritas, indispensáveis à subsistência do alimentando. [...].”[6]

Inovação veio posteriormente com o Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, em que Governo Brasileiro promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, que, dentre inúmeros princípios, dispõe em seu artigo 7º, 7: “ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.[7]

A adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, repercutiu em mudar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão civil, o que será examinado na sequência.

3 A prisão civil após o Pacto de São José da Costa Rica

A partir da promulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos reacendeu-se debates jurídicos sobre os reflexos da adesão a esse tratado, no que diz respeito à legalidade, ou constitucionalidade, da prisão civil do depositário infiel.

O Supremo Tribunal Federal, ao proferir julgamento no Recurso Extraordinário 466.343-1, em 3 de dezembro de 2008, decidiu, por unanimidade, ser ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. A ementa foi do seguinte teor:

“EMENTA: PRISÃO CIVIL. DEPÓSITO. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos Hcs nº 87.585 e nº 92.566. É lícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”[8]

A partir daí sedimentou-se o entendimento de que:

“Desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.”[9] 

Não há maiores discussões, atualmente, quanto à ilicitude da prisão por dívida, na modalidade de depositário infiel, tendo o julgamento do RE 466.343-1 pacificado o entendimento constitucional sobre a questão, posteriormente acabando o Supremo Tribunal Federal por editar a Súmula vinculante nº 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, vedando definitivamente esse odioso meio de coerção para o cumprimento de obrigação de natureza civil, especificamente no caso de depositário infiel.

Em relação à prisão civil por inadimplemento de pensão alimentícia, o atual Código de Processo Civil seguiu a mesma linha do Código revogado, prevendo:

“Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

[...]

§ 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.”[10]

o Supremo Tribunal Federal continuou entendendo ser constitucional esse tipo de prisão civil, eis que meio de coerção legítimo a proteger um bem jurídico maior que a liberdade do alimentante, que é a dignidade e vida do alimentando.[11]

4 Prisão civil por inadimplemento de pensão alimentícia

Como destacado, tendo o atual Código de Processo Civil adotado o mesmo regramento sobre prisão civil do devedor de alimentos que era previsto no Código revogado, a jurisprudência e doutrina relacionadas ao tema que datam do Código anterior ainda são atuais.

Nessa linha, a doutrina já vinha coesa no entendimento de que a prisão civil no caso de atraso ao pagamento de alimentos era meio de coerção e não pena.

Embora o artigo 528 do atual Código de Processo Civil - do mesmo modo que o artigo 733 do Código revogado - indique que o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas, “decreta-se a prisão civil não como pena, não com o fim de punir o executado pelo fato de não ter pago a prestação alimentícia, mas sim com o fim, muito diverso, de coagi-lo a pagar”[12].  Como observa Arakem de Assis, “o art. 733 do Código de Processo Civil estatui procedimento específico, em que o meio executório é a coação pessoal, aplicável, exclusivamente, ao crédito alimentar, cuja prestação seja pecuniária.”[13] 

Não há dúvida que esse meio de cobrança parece ser altamente eficaz, tanto assim que a execução de alimentos por coerção pessoal é tida como o meio mais efetivo de cumprimento de obrigação judicial na Justiça brasileira, sendo voz corrente que a única coisa que dá cadeia neste país é não pagar alimentos.

E no meio jurídico não é menor a reverência que se faz a esse tipo de execução, sempre se associando a legitimidade da coerção física a fundamentos e princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana (no caso, do alimentando) e o da proporcionalidade, como, por exemplo, o entendimento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald de que “considerada a peculiar natureza da obrigação alimentar, justifica-se a prisão civil do devedor, com o propósito de assegurar a própria dignidade e integridade do alimentando,”[14] e também de Francisco José Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira, no sentido de que  “dotados os alimentos da carga máxima de direito fundamental, e sendo o seu pronto pagamento medida essencial para garantir a sobrevivência do alimentário, compreende-se a relevância da efetividade da execução alimentícia.”[15]

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também se consolidou no entendimento de ser possível a prisão civil do inadimplente de pensão alimentícia, fazendo a ressalva enunciada na Súmula nº 309, de que: “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.

 Não obstante a tranquilidade com que a doutrina e os tribunais, já de longa data, abordam o tema, acolhendo a coerção física como consequência legal do inadimplemento de obrigação alimentar, não se pode perder de vista que a evolução do direito, e consequentemente do posicionamento dos tribunais, deve acompanhar a evolução da sociedade. E a pergunta que se faz é: dentro da conformação atual do Estado a coerção física ainda é o único meio eficaz, ou meio mais adequado, para se fazer cumprir a obrigação alimentar?

O Estado brasileiro tem objetivos sociais bem nítidos, descritos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, sendo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação. Também estabelece a garantia de direitos sociais, previstos no artigo 6º, como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

Seguiu, o Estado brasileiro, uma proposta de estado social. E não há como negar que, à medida que se incumbe de assegurar direitos sociais, se estrutura de poder para exercer maior controle sobre o cidadão. Decorrência disso, natural que todos, vivendo em sociedade e sob uma organização estatal, cedam ao Estado parcela de seus direitos individuais em prol da vida em sociedade, possibilitando, por exemplo, que o Estado crie banco de dados, sistemas de controles de fluxos de pessoas e informação, monopolize serviços, enfim, que, de certo modo, tenha controle e ingerência na vida de todo cidadão.

Esse controle social é muito mais perceptivo no atual mundo digitalizado. O crescente desenvolvimento tecnológico tem possibilitado que o estado sofistique cada vez mais os meios de controle social. Hoje é praticamente impossível que alguma pessoa viva, trabalhe e tenha vida social sem que não passe por alguma forma de controle estatal. Desse modo, é possível se pensar em outras formas de coagir o pagamento do devedor de alimentos, sem restringir-lhe a liberdade física, meio extremamente gravoso e que deve ser reservado ao Direito Penal.

E, neste ponto, deve-se observar que a prisão coerção (civil) acaba sendo mais gravosa que a prisão sanção (penal), posto que nesta há um rigoroso sistema de individualização da pena preconizado no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal de 1988, onde, seguindo parâmetros estatuídos nos artigos 59 e 68 do Código Penal, o julgador escolhe a pena a ser aplicada, a quantidade de pena, o regime de cumprimento e a substituição por outra não restritiva de liberdade.

Já a prisão coerção de pagamento de alimentos simplesmente estabelece que, não sendo paga a prestação, o juiz decretará a prisão pelo prazo de 30 a 90 dias. E pior, o § 4º do artigo 528 do Código de Processo Civil prevê o cumprimento da prisão em regime fechado.

Em relação ao regime prisional, maior perplexidade há quando se observa que o Código Penal[16] estabelece que, em regra, só o condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado (art. 33, § 2, “a”, Código Penal). E mais, as penas privativas de liberdade não superior a quatro anos comportam a substituição por penas restritivas de direitos (artigo 44, Código Penal).

Estando o Estado atualmente em condições de controlar a tudo e a todos, volta-se à indagação: faz-se necessário utilizar como meio de coerção a prisão para obrigar alguma pessoa a cumprir uma obrigação, e ainda entender que seja uma medida proporcional?

Só para se refletir em mais num exemplo de (des)proporcionalidade, uma pessoa que comete um homicídio simples (artigo 121, caput, Código Penal) pode pegar uma pena mínima de 6 anos de prisão e iniciar o cumprimento em regime semiaberto. Aquele que não paga alimentos, pode pegar uma prisão de 90 dias, que será toda ela em regime fechado, até que efetue o pagamento.

5 Alternativas à prisão civil

Observando que o Estado brasileiro apresenta como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, é possível que traga para si a obrigação de prover minimamente esses direitos caso, por exemplo, o pai não preste alimentos ao filho, de modo que parece não ser verdadeiro o argumento de que, não pagando os alimentos o alimentante deixaria em total desamparo o alimentando, o que justificaria a prisão, pois entre a liberdade do alimentante e a vida do alimentando (posto que sem os alimentos, a morte seria inevitável), deve-se dar mais valor a esta, em detrimento daquela.

Diante de um quadro de abandono do alimentando por parte do alimentante, não há dúvida de que caberia ao Estado não o deixar em desamparo, auxiliando-o em sua subsistência até que o alimentante venha a cumprir a sua obrigação.

O Estado brasileiro não tem estruturado um sistema de auxílio ao alimentando que esteja em situação de desamparo por parte de quem tem a obrigação alimentar. Parece que esse seria o modelo ideal, com o Estado suprindo a inadimplência do devedor de alimentos, buscando, em seguida, o ressarcimento ao erário de modo contundente, mas não com a prisão do devedor.

E, atualmente, já se consolidaram meios bastante interessantes de se constranger o devedor ao pagamento, todos eles previstos no Código de Processo Civil, como por exemplo: protesto da dívida (art. 528, 1º), desconto de parcelas atrasadas nos rendimentos ou rendas do executado (art. 529, § 3º), e indisponibilidade, por meio eletrônico, de ativos financeiros do devedor (art. 854).

Além disso, o artigo 139 do Código de Processo Civil, em seu inciso IV, prevê:

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

[...]

IV- determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.[17] 

Veja-se a amplitude desse dispositivo, que abarca tudo o que achar cabível como medida a assegurar o cumprimento de decisão judicial, tais como suspensão do direito de dirigir, apreensão de passaporte e proibição de participação em concursos públicos. E neste ponto o Supremo Tribunal Federal já decidiu:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. OS ARTIGOS 139, IV; 380, PARÁGRAFO ÚNICO; 400, PARÁGRAFO ÚNICO; 403, PARÁGRAFO ÚNICO; 536, CAPUT E §1º E 773, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MEDIDAS COERCITIVAS, INDUTIVAS OU SUB-ROGATÓRIAS. ATIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, PARA AFASTAR, EM QUALQUER HIPÓTESE, A POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO JUDICIAL DE MEDIDAS COERCITIVAS, INDUTIVAS OU SUB-ROGATÓRIAS CONSISTENTES EM SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR, APREENSÃO DE PASSAPORTE E PROIBIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO EM CONCURSOS PÚBLICOS OU EM LICITAÇÕES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À PROPORCIONALIDADE. MEDIDAS QUE VISAM A TUTELAR AS GARANTIAS DE ACESSO À JUSTIÇA E DE EFETIVIDADE E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO ABSTRATA E APRIORÍSTICA DA DIGNIDADE DO DEVEDOR. AÇÃO CONHECIDA E JULGADA IMPROCEDENTE.”[18]

Embora ainda o legislador não tenha cogitado extirpar do ordenamento jurídico a prisão civil por débito alimentar, o atual cenário, com evolução de mecanismos de controle estatal sobre a sociedade, propicia a rediscussão desse tema, para se restringir a prisão, flagelo da humanidade, ao campo penal.

Conclusão

A prisão civil no Brasil já vem desde bem antes da Constituição Federal de 1988, e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal era, e continuou sendo após a nova Constituição, de ser permitida a prisão civil por dívida nos casos previstos em lei, que eram a do depositário infiel e a do devedor de pensão alimentícia.

Com a adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, por vedação expressa nesse tratado, o Supremo Tribunal Federal mudou seu posicionamento em relação à prisão civil do depositário infiel, entendendo ser ilícita. Continuou a chancelar a prisão civil do devedor de alimentos, sob fundamento de ser prevista na Constituição e não ser vedada pela Convenção Americana.

Doutrina e jurisprudência nacionais dão suporte e enaltecem a prisão civil do devedor de alimentos, destacando o caráter de proporcionalidade da medida, confrontando a liberdade do alimentante com o direito à vida do alimentado.

Com a internalização do Pacto de São José da Costa Rica e a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal houve considerável evolução no sentido de se consagrar a liberdade do indivíduo como bem maior, ao se rechaçar a prisão civil do depositário infiel, e, no atual contexto social, há que se questionar esse tipo de prisão, mesmo para o caso de devedor de pensão alimentícia, pois uma Constituição que tem como fundamento a cidadania, a liberdade e a dignidade da pessoa humana, e que propõe um estado social, não deveria abrigar em seu texto qualquer possibilidade de prisão civil, que se mostra desproporcional.

A desproporcionalidade desse tipo de prisão fica evidenciada se comparada com a prisão do Direito Penal, que, no Brasil, em diversos dispositivos prevê um tratamento mais brando no que diz respeito ao cumprimento de pena de prisão do que a prisão a ser cumprida pelo devedor de alimentos.

A obrigação constitucional de assistência social por parte do Estado implica em prestar atendimento a todos os carentes de recursos mínimos para sobrevivência, o que faz concluir que a recalcitrância do devedor de alimentos não pode levar à morte do alimentando, como de maneira tão drástica tem se sopesado a proporcionalidade do direito de liberdade do alimentante com o direito à vida do alimentado.

O descumprimento de obrigação alimentar constituída por título judicial gera o direito de execução por parte do alimentando, sendo dever do Estado propiciar meios para que o credor promova a cobrança do modo mais célere e eficaz possível, sem atacar a dignidade do devedor, podendo fazer uso de seu poder geral de polícia e de monopólio dos serviços públicos para forçar o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação, podendo restringir-lhe o acesso a serviços públicos, bloqueio de bens e valores, restrição documentos autorizadores de circulação, como passaporte, e tudo o mais que esteja sobre controle do Estado, sem necessidade de prisão do devedor.

A prisão civil quando usada como meio de coerção civil parece retratar desrespeito à dignidade humana e mostra-se inteiramente desproporcional a qualquer infração de natureza civil, sendo a liberdade o bem jurídico maior, que deve ser preservado e respeitado pelo Estado.

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[1] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Diário Oficial da União, 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 2 de setembro de 2023.

[2] BRASIL. Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências. Diário Oficial da União, 3 de outubro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del0911.htm. Acesso em 2 de setembro de 2023.

[3] BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil (revogado).  Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 de janeiro de 1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em: 31 de agosto de 2023.

[4] BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil (revogado). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 de janeiro de 1973. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em: 31 de agosto de 2023.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2ª Turma). HC 77920. Impetrante: José Carlos Muraro. Redator: Min. Nelson Jobim. Brasília, DF, 2/2/1999. Publicado no Diário da Justiça da União de 23 de abril de 2004. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur13660/false. Acesso em: 30 de agosto de 2023.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2ª Turma). HC68724. Impetrante: Jorge Fernando Schettini Bento da Silva. Relator Min. Carlos Veloso. Brasília, DF, 4.8.1992. Publicado no Diário da Justiça da União de 10.8.2000. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur102586/false. Acesso em: 30 de agosto de 2023.

[7] BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 de novembro de 1992. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 30 de agosto de 2023.

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). RE 466343. Autor: Banco Bradesco S/A. Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília, DF, 3.12.2008, publicado no Diário da União de 5.6.2009. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur323/false. Acesso em: 2 de setembro de 2023.

[9] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 666.

[10] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário da Justiça da União, 17 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 30 de agosto de 2023.

[11] Ver HC 112254/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4/12/2012; HC 100104/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 18/8/2009.

[12] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos.5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 741.

[13] ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 881.

[14] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010, p. 773.

[15] CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Alimentos no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 237).

[16] BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de setembro de 1940. Código Penal. Diário da Justiça da União de 31 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 2 de setembro de 2023.

[17] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário da Justiça da União, 17 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 30 de agosto de 2023.

[18] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). ADI 5941/DF. Autor: Partido dos Trabalhadores – PT. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, DF, 9.2.023, publicado no Diário da União de 28.4.2023. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur478142/false. Acesso em: 30 de agosto de 2023.